segunda-feira, 2 de maio de 2011

Reforma agrária é garantia de segurança alimentar, avalia especialista

Por Maria Mello

A biodiversidade e a soberania alimentar mundiais estão ameaçadas, em escala crescente, pelo modelo agrícola originado nos EUA que se baseia em elevados índices de produtivismo, na homogeneidade genética e no uso intensivo de recursos naturais.

A leitura é do ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Gerson Teixeira, que discutiu o movimento sindical e as políticas públicas para a pesquisa e desenvolvimento agropecuário na tarde desta quarta-feira (28), durante o 10º Congresso do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Instituições de Pesquisa Agropecuária e Florestal (Sinpaf).


Teixeira iniciou sua exposição a partir da análise do processo de expansão ocorrido com a revolução na agricultura ao longo dos séculos 19 e 20, fortemente marcado pela concentração geográfica da oferta agrícola e de alimentos.

No Brasil, essa cartilha – a da chamada “Revolução Verde” – foi seguida à risca: a modernização da agricultura iniciada nas décadas de 60 e 70 dobrou, até meados dos anos 90, a participação do país na produção mundial bruta do setor. O especialista avalia, porém, que a queda do crescimento demográfico nos últimos anos contribuiu para que o Brasil atingisse esse patamar falsamente positivo, já que, mesmo produzindo mais, o protecionismo agrícola internacional mantém o país no posto de mero exportador de commodities em detrimento de produtos agrícolas.

Causa é efeito: agricultura sob ameaça de crise sistêmica

A atual tendência de declínio da rentabilidade da agricultura produtivista, decorrente do aumento dos custos e da queda dos preços agrícolas, pôde ser observada de forma mais contundente a partir de meados dos anos 90 e, segundo Teixeira, tem causas na natureza excedentária do modelo vigente. Já a elevação dos custos é reflexo, para o assessor, da concentração, por parte de quatro empresas americanas, de 80% do mercado mundial de sementes e de 75% dos produtos químicos.

Por que não há, então, colapso aparente na “fazenda” brasileira? De acordo com Teixeira, a garantia de subsídios crescentes, benefícios fiscais, o preço baixo da terra, os passivos ambientais, a permanente repactuação de dívidas e a precarização do trabalho no campo, entre outros fatores, garantem no Brasil a competitividade do agronegócio.

Aumento da demanda por alimentos x estagnação da produtividade

“A impressão que se tem é de que vamos nos deparar com severas restrições a esse padrão de agricultura. Há riscos contundentes à segurança alimentar num futuro de médio prazo”, avalia Teixeira. Este cenário se agrava com a demanda crescente por alimentos, decorrente principalmente da urbanização na China e Índia. Segundo dados da FAO, em 2050, a demanda de alimentos será 70% maior, e a procura por carnes aumentará em 100% em 25 anos.

As mudanças climáticas, provocadas e também afetadas pelo modelo produtivista (o uso de agrotóxicos, por exemplo, é responsável por emissões de gases prejudiciais e deve continuar crescendo 2,3% ao ano) também se inserem nas previsões negativas para a agricultura no futuro.

“Num cenário mais otimista, o IPCC estima em pelo menos 1/3 a queda de produtividade com o aquecimento global”, afirma.

Nova matriz tecnológica é desafio para a pesquisa

Agricultura diversificada, em menor escala, com menos química e eficiente economicamente. Este é o desafio posto para o futuro da agricultura “verdadeiramente inteligente”. Para evitar a falência frente à necessidade premente de expansão agrícola, será preciso incluir outros países no rol da produção e romper com o modelo vigente, diz o assessor. “A agricultura familiar e camponesa tem possibilidade de novo e arrojado protagonismo na economia agrícola mundial. Reforma agrária não é mais necessidade por democracia ou disputa de poder, é imposição para a segurança alimentar do futuro”.

Teixeira atribui aos trabalhadores das empresas de pesquisa agropecuária papel central no processo de transformação da referência da matriz tecnológica para o campo: “Na Embrapa, não se percebe movimento nessa direção de mudança do padrão dominante de pesquisa. 20% das pesquisas são associadas à Monsanto e a agricultura familiar fica na franja desse processo. Transformar esse cenário é tarefa dos pesquisadores e da sociedade brasileira em geral”, conclui.

Distribuição de alimentos

Para lançar a Campanha Salarial 2011 da categoria e defender mais investimento público na agricultura familiar agroecológica e o fortalecimento das estatais do setor, cerca de 800 trabalhadores da Embrapa, Codevasf, Pesagro, Emepa, Emparn e distritos de irrigação de todas as regiões do país distribuíram à população, nesta quinta (28/04), em frente ao Ministério da Agricultura, em Brasília, oito toneladas de frutas produzidas sem agrotóxicos, além de sementes de mudas frutíferas típicas do Cerrado. Apresentações musicais de forró e moda de viola animaram o ato ao longo da manhã.

Ao todo, foram distribuídos seis mil sacos de laranja Pokan na atividade, promovida pelo Sinpaf, dentro da programação do seu 10º Congresso. O evento teve início nesta terça (28) e será encerrado no sábado (31), e debate o plano de lutas do sindicato para os próximos três anos e sua inserção nas instâncias de discussão das políticas públicas para o setor.

“Nós queremos mostrar que é possível ter outra agricultura no Brasil, agricultura que promova um ambiente saudável, consumo saudável, população saudável, e que o Sindicato dos Trabalhadores da Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário irá cobrar das autoridades brasileiras políticas públicas para que essa agricultura seja efetivada”, afirmou Vicente Almeida, presidente do sindicato.

Entre os principais temas discutidos pelos cerca de 300 delegados, estão a saúde no trabalho, combate ao uso de agrotóxicos na produção de alimentos e a necessidade de ampliação das discussões sobre a reforma no Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771/65).

 Da Página do Sinpaf

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