quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Monopólio de Semenstes



Por Marco Aurélio Weissheimer.

Um dos impasses enfrentados pelo governo federal no tema da liberação do plantio e da comercialização da soja transgênica está relacionado ao sistema nacional de produção de sementes e à proteção da biodiversidade brasileira. Um dos argumentos centrais utilizados pelos defensores da liberação é que não haveria sementes de soja convencional em quantidade suficiente para o plantio que se inicia em outubro. Os críticos da liberação lembram que, no primeiro semestre, o Ministério da Agricultura garantia que havia sementes convencionais para o plantio e, agora, elas desapareceram. Além do tema da existência ou não de sementes convencionais, há também a questão da capacidade nacional de produção de sementes, que, segundo os adversários da liberação, pode ser destruída pela proliferação da tecnologia transgênica no campo. O monopólio decorrente dessa destruição inviabilizaria a construção de uma política de soberania alimentar. 

O deputado estadual, Frei Sérgio Görgen (PT/RS), que acompanha o tema há muito tempo no Rio Grande do Sul, é um dos que defendem que o Brasil precisa adotar uma política clara de proteção às sementes convencionais e orgânicas. Para ele, a medida provisória não pode permitir que "a máfia de contrabando de sementes transgênicas e herbicidas contaminem legalmente todo o Brasil". As sementes utilizadas há anos pelos produtores gaúchos foram contrabandeadas da Argentina, sem passar por inspeção sanitária. Frei Sérgio observa que o argumento da redução de custos, levantado pelos defensores da liberação, está relacionado a essa origem ilegal e ao conseqüente não pagamento de royalties.

Produtividade em questão

A avaliação do deputado gaúcho é compartilhada pelo deputado federal Fernando Gabeira (PT/RJ) que, durante os debates em Brasília, observou que muitos agricultores não estão conscientes de que hoje a produção é mais barata porque eles não estão pagando os royalties pelo uso das sementes transgênicas. "Seria como calcular o lucro de uma discoteca pensando em comprar CDs do camelô na esquina", comparou. Gabeira questionou também o susposto aumento de produtividade propiciado pelos transgênicos, citando uma pesquisa da empresa inglesa PG Economics Limited que detectou, nos Estados Unidos, uma redução de até 13% na produtividade das lavouras de soja transgênica, de 1997 a 2001. Além disso, acrescentou, também já foi constatado que os transgênicos dificultam a fixação de nitrogênio no solo, ou seja, a terra ficaria mais pobre a cada safra.

Outra medida defendida por ambientalistas e demais críticos da MP, como condição para a liberação, é o estabelecimento de garantias concretas de segregação, rastreabilidade e rotulagem plena dos produtos transgênicos, o que até o momento não tem sido feito. Frei Sérgio lembra que a liberação dos transgênicos não pode ocorrer sem o Estudo de Impacto Ambiental e os testes de segurança alimentar necessários. Nas reuniões em Brasília, ele propôs também a preservação das sementes comerciais e crioulas e a proibição prévia da utilização em território nacional das tecnologias "terminator", "traitor" e substâncias gameticidas, que impedem a multiplicação das sementes pelos agricultores, tecnologias estas, patenteadas pela Monsanto e utilizadas em outros países.

Risco de monopólio

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, também manifestou preocupação em relação à ameaça do monopólio das sementes. Segundo ele, o Brasil não pode subordinar sua produção agrícola aos interesses de grandes multinacionais, mas sim à soberania alimentar do povo brasileiro. Esse foi, aliás, um dos temas amplamente discutidos nas três primeiras edições do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Como um dos protagonistas desse debate - na época, era vice-governador do Rio Grande do Sul -, Rossetto vê no tema das sementes uma questão estratégica para o desenvolvimento do país. Ele concorda também com o risco do Brasil perder mercados com a introdução dos transgênicos. Lembrando que a Europa e a Ásia, os principais mercados da soja brasileira, já se posicionaram contra os alimentos geneticamente modificados, ele observou que "se olharmos do ponto de vista econômico, de mercado exclusivamente, veremos que os países que estão comprando os produtos brasileiros não têm sinalizado ampliação da adoção dos produtos trabalhados e produzidos a partir dessa tecnologia dos transgênicos".

Rossetto vai mais longe ainda e defende a produção orgânica como forma de agregar valor à agricultura familiar e combater o conceito de monocultura. "O nosso desafio é mostrar que o moderno não é necessariamente a biotecnologia. O moderno é a produção orgânica, que respeita o meio ambiente e evita o vazio social da monocultura. Nós queremos um campo qualificado, com qualidade social e que tenha uma perspectiva de futuro, que é a nossa obrigação com as próximas gerações", propôs.
Ameaça à biodiversidade

Em nota oficial, a Executiva Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) juntou-se ao coro daqueles que alertam para esse perigo. "A liberação dos transgênicos introduz o monopólio da semente por parte de empresas como a Monsanto, às quais os agricultores deverão pagar royalties pelas sementes. A liberação coloca em risco a segurança alimentar do país, ao tornar-nos dependentes das sementes de um punhado de corporações transnacionais", diz o texto. A CUT considera ainda que a liberação "significa uma grave ameaça à bioversidade, pelo poder de contaminação das plantas transgênicas, com conseqüências gravíssimas ao equilíbrio ecológico e, conseqüentemente, à qualidade de vida da população. E cita o caso do México, onde o milho transgênico estaria eliminando as variedades selvagens e nativas de milho. O documento da central sindical menciona também estudos realizados pela FAO que demonstrariam que a soja transgênica norte-americana é menos produtiva e tem custos maiores do que a soja convencional brasileira. Além disso, a liberação no Brasil, fecharia a porta de mercados importantes na Europa e na Ásia, onde existem restrições severas aos produtos transgênicos. Esses continentes são, atualmente, grandes importadores da soja convencional brasileira.

A Monsanto nega que pretenda monopolizar a produção e distribuição de sementes no Brasil. Em entrevista à rádio Gaúcha, de Porto Alegre, o diretor de assuntos corporativos da empresa, Rodrigo Lopes de Almeida, disse que "a tecnologia transgênica é apenas mais uma que estamos colocando a serviço dos agricultores brasileiros". "Se ele achar por bem usar, vai usar, se ele achar que não é boa, não vai usar. Não existe essa figura do monopólio. O agricultor pode usar semente convencional se quiser", argumentou. No entanto, em 2003, essa possibilidade de escolha parece não existir, pois, segundo o Ministério da Agricultura, não há semente convencional à disposição em quantidade suficiente para a próxima safra.

Pragmático, o executivo da Monsanto argumentou que os agricultores gaúchos estão preferindo usar a semente transgênica por ela possibilitar uma redução de custos na lavoura e apresentar maior produtividade. Concordando com esse argumento, a maioria dos produtores de soja no Rio Grande do Sul adotou, nos últimos anos, a lógica do fato consumado. As sementes de soja transgênica, que entraram ilegalmente no país, foram plantadas e comercializadas, sem fiscalização e sem estudo de impacto ambiental.

A destruição de variedades nativas

A discussão sobre a ameaça potencial da tecnologia transgênica à biodiversidade ganhou força a partir da década de 90. Segundo o biólogo Francisco Milanez, membro da Associação Gaúcha de Poteção ao Ambiente Natural (Agapan), a hegemonia de uma espécie transgênica pode destruir rapidamente a diversidade interna da espécie natural, empobrecendo-a e tornando-a mais suscetível a todo tipo de problema. O topo deste processo, segundo ele, é a clonagem, que permite a criação de centenas de indivíduos iguais, como é o caso das matas de eucalipto plantadas, no próprio Rio Grande do Sul, pela multinacional Riocell. "Se um indivíduo for afetado por alguma doença, todo o conjunto o será, uma vez que a diversidade entre os indivíduos foi eliminada", adverte Milanez. Ele lembra que o Rio Grande do Sul tinha centenas de variedades de milho, adaptadas às particularidades de cada região. "Isto tudo foi sendo perdido com o surgimento do milho híbrido. A segunda geração de milho híbrido gera indivíduos que não possuem as propriedades da primeira. Assim, a cada plantio, é preciso comprar um novo lote de sementes de híbrido. As centenas de varietais de milho foram reduzidas a umas poucas. As outras viraram ração para galinhas e porcos. Hoje, está se tentando recompor algumas destas variedades, mas este processo de recomposição é lento, ao contrário do caminho da destruição", argumenta.

A semente Roundup Ready, da Monsanto, traria esse risco de destruição da biodiversidade. Ela foi obtida a partir da inserção de três genes "estrangeiros" na planta da soja. Um deles foi extraído de um vírus e um outro de uma bactéria encontrada no solo, a Agrobacterium sp. Essa modificação genética, segundo os críticos da Monsanto, não chega a incrementar a produtividade da cultura, ou o valor nutricional do grão. O efeito conhecido desse gene, do ponto de vista econômico, consiste em possibilitar a substituição de vários herbicidas por apenas um, o glifosato (como o Roundup, da Monsanto).Os genes exterminadores.
A Monsanto é a maior produtora de herbicidas do mundo, e está entre as cem empresas mais lucrativas dos EUA.No final da década de 90, investiu cerca de US$ 6,7 bilhões na aquisição de outras companhias norte-americanas de sementes e biotecnologia, tornando-se a maior empresa do ramo. No Brasil, após a aprovação da Lei de Cultivares, que instituiu o monopólio privado da propriedade das variedades vegetais no país, a Monsanto comprou, dentre outras, a empresa Paraná Sementes e a Agroceres. Formou ainda uma joint-venture com a Cargill, consolidando sua supremacia entre as empresas produtoras de sementes no país. A empresa gastou cerca de US$ 18 bilhões na compra da multinacional Delta&Pine Land, proprietária da patente da tecnologia "Terminator" nos EUA e solicitante da patente mundial deste gene.

O gene batizado de "Terminator" (exterminador) torna estéril a segunda geração de sementes usadas na agricultura. É uma técnica que incapacita geneticamente a germinação de uma semente. A eficácia do novo método já foi demonstrada em sementes de algodão e fumo, sendo que entre as culturas prioritárias para seu desenvolvimento estão o arroz, o trigo, o sorgo e a soja. O principal interesse econômico nessa técnica é impedir que o fruto ou grão de uma variedade comercial se torne uma semente, exterminando assim o potencial reprodutivo daquela planta. Os agricultores, que então seriam obrigados a adquirir novas sementes a cada safra, deixariam ainda de exercer o papel que vêm desempenhando há mais de dez mil anos: o trabalho de melhoramento das variedades realizado através de cruzamentos e seleção de sementes. Essa é uma das questões de fundo que está em jogo na liberação dos transgênicos no Brasil.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaImprimir.cfm?coluna_id=1412



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