sexta-feira, 2 de março de 2012

ABORDAGEM DA DEMANDA DA GOVERNANÇA FLORESTAL PARA O REDD¹


Esta nota define os principais desafios e oportunidades da governança que provavelmente surgirão nos programas que promovem a redução do desmatamento e da degradação como medidas de atenuação da mudança climática.

Antecedentes

O desmatamento e a degradação de florestas são as causas principais do aquecimento global, juntos respondem por 17,4% das emissões globais de gases de efeito estufa (GHG) e mais de um terço de emissões dos países em desenvolvimento. Recentemente, foram feitas propostas para incluir a estratégia de redução de emissões causadas pelo desmatamento e degradação florestal (comumente conhecida como REDD) no escopo potencial do regime de mudança
climática pós-2012. Na 13ª Conferência das Partes (COP) para a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) realizada em Bali, Indonésia em dezembro de 2007, o Órgão Subsidiário de Assessoria Técnica e Científica deu sugestões para a redução de emissões causadas pelo desmatamento nos países em desenvolvimento. Um eventual mecanismo pós-2012 da REDD provavelmente envolveria uma compensação para os países que reduzissem as taxas de desmatamento para abaixo das linhas de base nacionais históricas. Isso implicaria na medição e compensação das reduções de emissões em âmbito nacional e não em projetos separados (como é atualmente o caso do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo). A decisão da COP apela aos países anfitriões que implementem projetos piloto do REDD antes de 2012.²

O desmatamento é mais comumente impulsionado por fatores externos ao setor florestal. Elas compreendem: falhas do mercado como a subvalorização de serviços de ecossistemas; incentivos perversos como os subsídios agrícolas; pressões da população e a necessidade de garantir meios de subsistência; e a corrupção, a ganância e o natureza de acesso aberto do recurso. Controlar esses fatores requer claramente o realinhamento de incentivos econômicos em favor das florestas, o desenvolvimento de meios de subsistência alternativos atraentes, e medidas de combate à corrupção.

Tratar dos impulsores fundamentais do desmatamento e garantir a sustentabilidade das abordagens para a redução do desmatamento e da degradação requer atenção da governança florestal.³ Nesse contexto geral, os seguintes problemas estão comprovadamente no topo da lista

1 Esta nota resume a discussão que surgiu nas reuniões do The Forest Dialogue na condução para o Fórum Global de Líderes Florestais e, como tal, não reflete necessariamente o ponto de vista de nenhum indivíduo ou organização.

2 Além do REDD, o florestamento, o reflorestamento e outras medidas relacionadas a florestas fornecem grandes oportunidades de atenuar a mudança climática e contribuir com benefícios associados. No entanto, esta nota enfoca o REDD.

3 A governança do setor florestal refere-se ao modus operandi pelo qual representantes do governo e instituições (formal e informal) adquirem e exercem autoridade na gestão dos recursos do setor para manter e melhorar o bem-estar e a qualidade de vida daqueles cujos meios de subsistência dependem do setor. A boa governança florestal é caracterizada pela formulação de políticas previsíveis, abertas e informadas com base em processos transparentes, por uma burocracia imbuída de ética profissional, um braço do poder executivo do governo responsável por suas ações, e uma sociedade civil forte que participa das decisões relacionadas à gestão do setor e de outros assuntos públicos, e tudo isso dentro da lei. A boa governança é fundamental para a obtenção de resultados de desenvolvimento positivos e sustentáveis no setor, incluindo a eficiência da gestão de recursos, uma maior contribuição para o crescimento econômico e serviços ambientais, e a distribuição eqüitativa de benefícios.

dos problemas de governança: fornecer clareza sobre a posse e o uso da terra; reduzir conflitos legislativos; melhorar leis e regulamentações que regem e fornecem incentivos; estabelecer contratos sobre o período com o qual os proprietários de terra concordam em proteger suas florestas; compartilhamento eqüitativo de benefícios; controle de extração de madeira e corrupção; e encorajar uma tomada de decisão participativa.
           
Principais aspectos da governança florestal para o REDD

A idéia básica que fundamenta o REDD é que a redução do desmatamento e da degradação da floresta leva à redução de emissões de gases do efeito estufa. Em uma abordagem de âmbito nacional ao REDD, um país que demonstra esse tipo de redução seria capaz de reivindicar créditos de carbono, que poderiam depois ser vendidos no mercado. Os países que participam do REDD precisariam calcular uma linha de base nacional de emissões que serviria de parâmetro para medir as mudanças na taxa de desmatamento e degradação florestal e para emitir créditos de carbono. Comparado ao REDD em nível de projeto, creditar reduções de emissões em âmbito nacional seria muito mais vantajoso, pois solucionaria o problema de vazamento nacional de carbono por meio de deslocamento. Contudo, vários países anfitriões potenciais e uma série de outros grupos interessados declararam sua preferência por abordagens baseadas em projetos, em parte devido às complexas questões de governança que tendem a dificultar o controle dos impulsores de desmatamento no âmbito nacional.

Dada essa ampla compreensão do REDD, os desafios da governança para sua
implementação se encaixam em três grupos: (i) aqueles relacionados a projetos que visam reduzir o desmatamento e a degradação (informados por meio de experiências na assistência técnica, diálogo político e implementação de projetos no setor); (ii) aqueles que surgem no contexto de uma abordagem em âmbito nacional (como a criação de linhas de base, monitoramento e crédito, etc.); e (iii) aqueles relacionados ao comércio do carbono (créditos pela redução de emissões) nos mercados nacionais e internacionais.

1 - Problemas de governança provenientes de experiências relacionadas à implementação de projetos do REDD

Clareza sobre os direitos de posse e o uso de recursos. Em muitos países com florestas tropicais, os direitos de posse e usufruto não são claros, com reivindicações concorrentes pela terra entre diferentes camadas dos governos e entre os governos, o setor privado, comunidades locais e povos indígenas. Em muitos lugares, esclarecer os direitos à terra e aos ativos de carbono e introduzir um controle mais eficaz sobre os recursos serão prioridades fundamentais para a reforma da governança REDD.

As formas como as disputas de posse são resolvidas terão um impacto significativo na medida em que o REDD beneficia os pobres.

Planejamento do uso da terra. Um elemento essencial de qualquer estratégia REDD será avaliar o uso da terra, levando em consideração aspectos biofísicos, econômicos e sociais. Isso contribuiria para uma boa governança no âmbito local ao facilitar a identificação, seleção e adoção de alternativas para o uso da terra que melhor atendessem às necessidades dos grupos interessados locais e que conservassem e gerenciassem de modo sustentável os ecossistemas florestais. Além disso, talvez fosse necessário formular um programa de zoneamento para o uso da terra ou revisar um programa já existente.

Incentivos perversos. A implementação eficiente do REDD exigirá a eliminação de incentivos financeiros para conversão de florestas, e a reforma de regimes de impostos e subsídios para criar incentivos para a proteção florestal. Algumas leis e regulamentações relacionadas a impostos que foram historicamente desenvolvidas para fins específicos podem não ser mais relevantes. Algumas podem prejudicar os esforços voltados à redução do desmatamento. Talvez seja necessário realizar uma análise independente da situação existente e de reformas potenciais para determinar os papéis potenciais que interesses adquiridos provavelmente desempenharão.

Reforma institucional mais ampla. Os governos precisarão garantir que diferentes órgãos tenham responsabilidades claras e trabalhem em conjunto para reduzir o desmatamento e a degradação florestal. Isso será especialmente importante aos órgãos criados para distribuir compensações para aqueles que devem renunciar a rendas de atividades que foram previamente associadas ao desmatamento ou à degradação florestal.

Cumprimento das leis florestais. Para a implementação eficaz de leis relacionadas ao REDD será necessário que essas leis sejam consideradas legítimas por aqueles que deverão cumpri-las e que exista um nível adequado de capacidade de execução para desencorajar violações. Será importante controlar a extração ilegal de madeira, invasões e corrupção.

2. Problemas de governança provenientes de uma abordagem nacional contábil do carbono ao REDD

De acordo com uma abordagem nacional do REDD, o governo buscaria políticas voltadas à redução da taxa de desmatamento tendo como parâmetro uma linha de base nacional. Isso exigiria:

Uma estratégia nacional de REDD. Os governos precisariam desenvolver uma estratégia nacional para abordar vários impulsores do desmatamento inter-relacionados social, política e economicamente no âmbito nacional. Para ter mais chance de sucesso, seria organizado um planejamento para essa estratégia em consulta com uma ampla série de grupos interessados, incluindo proprietários e gerentes florestais, povos indígenas e comunidades locais, e todos os níveis do governo. A estratégia incluiria programas piloto para algumas das atividades identificadas como necessárias para reverter tendências de desmatamento – atividades como aquelas relacionadas à promoção de meios alternativos de subsistência.

Distribuição eqüitativa de benefícios. Serão necessários processos financeiros
transparentes e responsáveis para garantir que os pagamentos dos créditos de carbono gerem incentivos suficientes ao REDD e que sejam distribuídos eqüitativamente entre os proprietários de florestas, e que conflitos potenciais a cerca desses pagamentos possam ser resolvidos de forma justa.

Criar uma responsabilização nacional pelo REDD e uma infra-estrutura para lidar com créditos. Para tornar o REDD operacional é provável que seja necessário desenvolver uma infra-estrutura complexa.4 Os governos nacionais precisarão alocar recursos suficientes para garantir que a infra-estrutura necessária seja criada de modo a garantir seu funcionamento eficiente.

4 Essa infra-estrutura tende a tomar como base os requisitos de acordo com os quais os países do Anexo 1 podem iniciar o mecanismo de permuta, conforme disposto no Artigo 17 do Protocolo de Kyoto.

Linhas de base, monitoramento e verificação de inventários. Os governos nacionais também precisariam estabelecer a infra-estrutura e a capacidade necessárias para desenvolver linhas de base nacionais e concordar com elas, e a capacidade de medir e verificar suas conquistas tomando essas linhas como parâmetros.

3 - Considerações internacionais a respeito da governança

O REDD teria como objetivo criar créditos de carbono permutáveis e negociáveis pelo sistema bancário, encorajando dessa forma o investimento do setor privado. Há a necessidade, portanto, de desenvolver regras com relação ao comércio e à permuta de créditos de carbono florestal nos mercados internacionais financeiros e de commodities. Essas regras incluiriam critérios (com base na qualidade da governança do setor em um país) que poderiam ser usados pelos investidores para avaliar a qualidade dos créditos.

Ações indicativas

Em muitos países, melhorar a governança florestal é uma tarefa pesada, mas pode ser facilitada pela identificação dos elementos mais essenciais para a implementação bem-sucedida do REDD (e outras opções de atenuação da mudança climática baseada em florestas e adaptação à mesma) e sua priorização.

Com base em nossa análise a respeito dos impulsores do desmatamento, nossas suposições sobre como o REDD irá trabalhar, e nossa compreensão dos requisitos institucionais para o investimento do setor privado, identificamos uma série de intervenções relacionadas à governança que facilitariam a participação de nações com florestas tropicais no REDD e garantiriam que iniciativas do REDD fossem confiáveis e sustentáveis.

RESUMO DAS PRINCIPAIS INTERVENÇÕES DA GOVERNANÇA RELEVANTES
PARA AS INICIATIVAS REDD

Desenvolver e implementar uma estratégia nacional de REDD.

Estabelecer um plano de ação para abordar vários impulsores do desmatamento inter-relacionados social, política e economicamente no âmbito nacional.

Organizar consultas com os grupos interessados

Elaborar estruturas financeiras robustas e transparentes para uma distribuição eqüitativa de benefícios entre os grupos interessados relevantes

Criar uma infra-estrutura REDD (para contabilização e tratamento dos créditos,
implementação de estratégia, etc.)

Iniciar um teste piloto

Estabelecer uma linha de base de emissões e um sistema para monitorar a linha de base

Avaliar níveis históricos de emissões e desenvolver e revisar as opções para um cenário de referência confiável

Garantir um sistema de monitoramento de emissões participativas, incluindo o fornecimento de
monitores e certificadores independentes

Oferecer formação e treinamento de capacidades nacionais para melhorar o monitoramento da cobertura florestal e dos estoques de carbono

Esclarecer as questões relacionadas ao uso, posse e acesso à terra

Reformar a posse de terra e esclarecer os direitos de acesso e uso.

Realizar um planejamento e zoneamento do uso da terra.

Estabelecer a capacidade de prestar serviços de apoio para uma gestão de florestas sustentáveis, reduzir o impacto da extração da madeira, certificação florestal, silvicultura comunitária, pagamentos por serviços de ecossistemas, intensificação agrícola, etc.

Melhorar a estrutura legislativa

Reformar a legislação para encorajar a gestão florestal sustentável, encorajar a silvicultura comunitária, pagamentos por serviços de ecossistemas, etc., e conciliar leis conflitantes e abuso do poder legislativo.

Fortalecer o papel das salvaguardas sociais e ambientais
Eliminar incentivos financeiros que encorajam esquemas de assentamento e conversão da terra
florestal

Reformar impostos (ex., para eliminar subsídios /incentivos tributários perversos).

Reformar instituições dos setores florestais, agrícolas e outros

Esclarecer os papéis e as responsabilidades (incluindo, nas organizações descentralizadas, em diferentes níveis do governo)

Formar capacidades, fortalecer instituições e aumentar os incentivos aos funcionários públicos

Aumentar a transparência, controlar a corrupção e promover abordagens éticas

Melhorar os mercados financeiros nacionais e internacionais

Desenvolver regras claras e simples para tornar os créditos de carbono florestal facilmente permutáveis e negociáveis nacional e internacionalmente

Reforçar a aplicação da lei

Aumentar a capacidade de aplicar as leis florestais e o controle da extração ilegal da madeira, e instituir requisitos ambientais e de planejamento tais como salvaguardas

Formar capacidade em organizações não-governamentais

Fortalecer o sistema jurídico para garantir sua eficácia e independência

Fontes:
Nussbaum, Ruth, personal communication, julho de 2008.
Saunders, Jade, Johannes Ebeling e Ruth Nussbaum (2008). Forest Governance and Reduced Emissions
from Deforestation and Degradation, Chatham House Briefing Note, Chatham House, UK.
Banco Mundial (2008). Forest Sourcebook, World Bank, Washington, DC, USA

Nenhum comentário:

Postar um comentário