Esta nota define os principais desafios
e oportunidades da governança que provavelmente surgirão nos programas que
promovem a redução do desmatamento e da degradação como medidas de atenuação da
mudança climática.
Antecedentes
O desmatamento e a degradação de
florestas são as causas principais do aquecimento global, juntos respondem por
17,4% das emissões globais de gases de efeito estufa (GHG) e mais de um terço
de emissões dos países em desenvolvimento. Recentemente, foram feitas propostas
para incluir a estratégia de redução de emissões causadas pelo desmatamento e
degradação florestal (comumente conhecida como REDD) no escopo potencial do
regime de mudança
climática pós-2012. Na 13ª Conferência
das Partes (COP) para a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática
(UNFCCC) realizada em Bali, Indonésia em dezembro de 2007, o Órgão Subsidiário
de Assessoria Técnica e Científica deu sugestões para a redução de emissões causadas
pelo desmatamento nos países em desenvolvimento. Um eventual mecanismo pós-2012
da REDD provavelmente envolveria uma compensação para os países que reduzissem
as taxas de desmatamento para abaixo das linhas de base nacionais históricas.
Isso implicaria na medição e compensação das reduções de emissões em âmbito
nacional e não em projetos separados (como é atualmente o caso do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo). A decisão da COP apela aos países anfitriões que
implementem projetos piloto do REDD antes de 2012.²
O desmatamento é mais comumente
impulsionado por fatores externos ao setor florestal. Elas compreendem: falhas
do mercado como a subvalorização de serviços de ecossistemas; incentivos
perversos como os subsídios agrícolas; pressões da população e a necessidade de
garantir meios de subsistência; e a corrupção, a ganância e o natureza de
acesso aberto do recurso. Controlar esses fatores requer claramente o
realinhamento de incentivos econômicos em favor das florestas, o
desenvolvimento de meios de subsistência alternativos atraentes, e medidas de
combate à corrupção.
Tratar dos impulsores fundamentais do
desmatamento e garantir a sustentabilidade das abordagens para a redução do
desmatamento e da degradação requer atenção da governança florestal.³ Nesse
contexto geral, os seguintes problemas estão comprovadamente no topo da lista
1 Esta nota resume a discussão que
surgiu nas reuniões do The Forest Dialogue na condução para o Fórum Global de
Líderes Florestais e, como tal, não reflete necessariamente o ponto de vista de
nenhum indivíduo ou organização.
2 Além do REDD, o florestamento, o
reflorestamento e outras medidas relacionadas a florestas fornecem grandes
oportunidades de atenuar a mudança climática e contribuir com benefícios
associados. No entanto, esta nota enfoca o REDD.
3 A governança do setor florestal
refere-se ao modus operandi pelo qual representantes do governo e
instituições (formal e informal) adquirem e exercem autoridade na gestão dos
recursos do setor para manter e melhorar o bem-estar e a qualidade de vida daqueles
cujos meios de subsistência dependem do setor. A boa governança florestal é
caracterizada pela formulação de políticas previsíveis, abertas e informadas
com base em processos transparentes, por uma burocracia imbuída de ética
profissional, um braço do poder executivo do governo responsável por suas
ações, e uma sociedade civil forte que participa das decisões relacionadas à gestão
do setor e de outros assuntos públicos, e tudo isso dentro da lei. A boa
governança é fundamental para a obtenção de resultados de desenvolvimento
positivos e sustentáveis no setor, incluindo a eficiência da gestão de
recursos, uma maior contribuição para o crescimento econômico e serviços
ambientais, e a distribuição eqüitativa de benefícios.
dos problemas de governança: fornecer
clareza sobre a posse e o uso da terra; reduzir conflitos legislativos;
melhorar leis e regulamentações que regem e fornecem incentivos; estabelecer contratos
sobre o período com o qual os proprietários de terra concordam em proteger suas
florestas; compartilhamento eqüitativo de benefícios; controle de extração de
madeira e corrupção; e encorajar uma tomada de decisão participativa.
Principais aspectos da governança
florestal para o REDD
A idéia básica que fundamenta o REDD é
que a redução do desmatamento e da degradação da floresta leva à redução de
emissões de gases do efeito estufa. Em uma abordagem de âmbito nacional ao
REDD, um país que demonstra esse tipo de redução seria capaz de reivindicar
créditos de carbono, que poderiam depois ser vendidos no mercado. Os países que
participam do REDD precisariam calcular uma linha de base nacional de emissões
que serviria de parâmetro para medir as mudanças na taxa de desmatamento e
degradação florestal e para emitir créditos de carbono. Comparado ao REDD em
nível de projeto, creditar reduções de emissões em âmbito nacional seria muito
mais vantajoso, pois solucionaria o problema de vazamento nacional de carbono
por meio de deslocamento. Contudo, vários países anfitriões potenciais e uma série
de outros grupos interessados declararam sua preferência por abordagens
baseadas em projetos, em parte devido às complexas questões de governança que
tendem a dificultar o controle dos impulsores de desmatamento no âmbito
nacional.
Dada essa ampla compreensão do REDD, os
desafios da governança para sua
implementação se encaixam em três
grupos: (i) aqueles relacionados a projetos que visam reduzir o desmatamento e
a degradação (informados por meio de experiências na assistência técnica, diálogo
político e implementação de projetos no setor); (ii) aqueles que surgem no
contexto de uma abordagem em âmbito nacional (como a criação de linhas de base,
monitoramento e crédito, etc.); e (iii) aqueles relacionados ao comércio do
carbono (créditos pela redução de emissões) nos mercados nacionais e
internacionais.
1 - Problemas de governança
provenientes de experiências relacionadas à implementação de projetos do REDD
• Clareza sobre os direitos de posse e o uso de
recursos. Em muitos países com florestas tropicais,
os direitos de posse e usufruto não são claros, com reivindicações concorrentes
pela terra entre diferentes camadas dos governos e entre os governos, o setor
privado, comunidades locais e povos indígenas. Em muitos lugares, esclarecer os
direitos à terra e aos ativos de carbono e introduzir um controle mais eficaz
sobre os recursos serão prioridades fundamentais para a reforma da governança
REDD.
• As
formas como as disputas de posse são resolvidas terão um impacto significativo
na medida em que o REDD beneficia os pobres.
• Planejamento do uso da terra. Um elemento essencial de qualquer
estratégia REDD será avaliar o uso da terra, levando em consideração aspectos
biofísicos, econômicos e sociais. Isso contribuiria para uma boa governança no
âmbito local ao facilitar a identificação, seleção e adoção de alternativas
para o uso da terra que melhor atendessem às necessidades dos grupos
interessados locais e que conservassem e gerenciassem de modo sustentável os ecossistemas
florestais. Além disso, talvez fosse necessário formular um programa de zoneamento
para o uso da terra ou revisar um programa já existente.
• Incentivos perversos. A implementação eficiente do REDD exigirá
a eliminação de incentivos financeiros para conversão de florestas, e a reforma
de regimes de impostos e subsídios para criar incentivos para a proteção
florestal. Algumas leis e regulamentações relacionadas a impostos que foram
historicamente desenvolvidas para fins específicos podem não ser mais
relevantes. Algumas podem prejudicar os esforços voltados à redução do
desmatamento. Talvez seja necessário realizar uma análise independente da
situação existente e de reformas potenciais para determinar os papéis
potenciais que interesses adquiridos provavelmente desempenharão.
• Reforma institucional mais ampla. Os governos precisarão garantir que
diferentes órgãos tenham responsabilidades claras e trabalhem em conjunto para
reduzir o desmatamento e a degradação florestal. Isso será especialmente
importante aos órgãos criados para distribuir compensações para aqueles que
devem renunciar a rendas de atividades que foram previamente associadas ao
desmatamento ou à degradação florestal.
• Cumprimento das leis florestais. Para a implementação eficaz de leis
relacionadas ao REDD será necessário que essas leis sejam consideradas
legítimas por aqueles que deverão cumpri-las e que exista um nível adequado de
capacidade de execução para desencorajar violações. Será importante controlar a
extração ilegal de madeira, invasões e corrupção.
2. Problemas de governança
provenientes de uma abordagem nacional contábil do carbono ao REDD
De acordo com uma abordagem nacional do
REDD, o governo buscaria políticas voltadas à redução da taxa de desmatamento
tendo como parâmetro uma linha de base nacional. Isso exigiria:
• Uma estratégia nacional de REDD. Os governos precisariam desenvolver uma
estratégia nacional para abordar vários impulsores do desmatamento inter-relacionados
social, política e economicamente no âmbito nacional. Para ter mais chance de
sucesso, seria organizado um planejamento para essa estratégia em consulta com
uma ampla série de grupos interessados, incluindo proprietários e gerentes
florestais, povos indígenas e comunidades locais, e todos os níveis do governo.
A estratégia incluiria programas piloto para algumas das atividades
identificadas como necessárias para reverter tendências de desmatamento –
atividades como aquelas relacionadas à promoção de meios alternativos de
subsistência.
• Distribuição eqüitativa de benefícios. Serão necessários processos financeiros
transparentes e responsáveis para
garantir que os pagamentos dos créditos de carbono gerem incentivos suficientes
ao REDD e que sejam distribuídos eqüitativamente entre os proprietários de
florestas, e que conflitos potenciais a cerca desses pagamentos possam ser resolvidos
de forma justa.
• Criar uma responsabilização nacional pelo REDD e
uma infra-estrutura para lidar com créditos. Para tornar o REDD operacional é provável que seja
necessário desenvolver uma infra-estrutura complexa.4 Os governos nacionais
precisarão alocar recursos suficientes para garantir que a infra-estrutura
necessária seja criada de modo a garantir seu funcionamento eficiente.
4 Essa
infra-estrutura tende a tomar como base os requisitos de acordo com os quais os
países do Anexo 1 podem iniciar o mecanismo de permuta, conforme disposto no
Artigo 17 do Protocolo de Kyoto.
• Linhas de base, monitoramento e verificação de
inventários. Os governos nacionais também
precisariam estabelecer a infra-estrutura e a capacidade necessárias para desenvolver
linhas de base nacionais e concordar com elas, e a capacidade de medir e verificar
suas conquistas tomando essas linhas como parâmetros.
3 - Considerações internacionais a
respeito da governança
O REDD teria como objetivo criar
créditos de carbono permutáveis e negociáveis pelo sistema bancário,
encorajando dessa forma o investimento do setor privado. Há a necessidade,
portanto, de desenvolver regras com relação ao comércio e à permuta de créditos
de carbono florestal nos mercados internacionais financeiros e de commodities. Essas regras incluiriam
critérios (com base na qualidade da governança do setor em um país) que
poderiam ser usados pelos investidores para avaliar a qualidade dos créditos.
Ações indicativas
Em muitos países, melhorar a governança
florestal é uma tarefa pesada, mas pode ser facilitada pela identificação dos
elementos mais essenciais para a implementação bem-sucedida do REDD (e outras
opções de atenuação da mudança climática baseada em florestas e adaptação à mesma)
e sua priorização.
Com base em nossa análise a respeito
dos impulsores do desmatamento, nossas suposições sobre como o REDD irá
trabalhar, e nossa compreensão dos requisitos institucionais para o investimento
do setor privado, identificamos uma série de intervenções relacionadas à
governança que facilitariam a participação de nações com florestas tropicais no
REDD e garantiriam que iniciativas do REDD fossem confiáveis e sustentáveis.
RESUMO DAS PRINCIPAIS INTERVENÇÕES DA
GOVERNANÇA RELEVANTES
PARA AS INICIATIVAS REDD
Desenvolver e implementar uma estratégia nacional
de REDD.
• Estabelecer
um plano de ação para abordar vários impulsores do desmatamento inter-relacionados
social, política e economicamente no âmbito nacional.
• Organizar
consultas com os grupos interessados
• Elaborar
estruturas financeiras robustas e transparentes para uma distribuição
eqüitativa de benefícios entre os grupos interessados relevantes
• Criar
uma infra-estrutura REDD (para contabilização e tratamento dos créditos,
implementação de estratégia, etc.)
• Iniciar
um teste piloto
Estabelecer uma linha de base de emissões e um
sistema para monitorar a linha de base
• Avaliar
níveis históricos de emissões e desenvolver e revisar as opções para um cenário
de referência confiável
• Garantir
um sistema de monitoramento de emissões participativas, incluindo o
fornecimento de
monitores e certificadores
independentes
• Oferecer
formação e treinamento de capacidades nacionais para melhorar o monitoramento
da cobertura florestal e dos estoques de carbono
Esclarecer as questões relacionadas ao uso, posse e
acesso à terra
• Reformar
a posse de terra e esclarecer os direitos de acesso e uso.
• Realizar
um planejamento e zoneamento do uso da terra.
• Estabelecer
a capacidade de prestar serviços de apoio para uma gestão de florestas sustentáveis,
reduzir o impacto da extração da madeira, certificação florestal, silvicultura comunitária,
pagamentos por serviços de ecossistemas, intensificação agrícola, etc.
Melhorar a estrutura legislativa
• Reformar
a legislação para encorajar a gestão florestal sustentável, encorajar a
silvicultura comunitária, pagamentos por serviços de ecossistemas, etc., e
conciliar leis conflitantes e abuso do poder legislativo.
• Fortalecer
o papel das salvaguardas sociais e ambientais
• Eliminar
incentivos financeiros que encorajam esquemas de assentamento e conversão da
terra
florestal
• Reformar
impostos (ex., para eliminar subsídios /incentivos tributários perversos).
Reformar instituições dos setores florestais,
agrícolas e outros
• Esclarecer
os papéis e as responsabilidades (incluindo, nas organizações descentralizadas,
em diferentes níveis do governo)
• Formar
capacidades, fortalecer instituições e aumentar os incentivos aos funcionários
públicos
• Aumentar
a transparência, controlar a corrupção e promover abordagens éticas
Melhorar os mercados financeiros nacionais e
internacionais
• Desenvolver
regras claras e simples para tornar os créditos de carbono florestal facilmente
permutáveis e negociáveis nacional e internacionalmente
Reforçar a aplicação da lei
• Aumentar
a capacidade de aplicar as leis florestais e o controle da extração ilegal da
madeira, e instituir requisitos ambientais e de planejamento tais como
salvaguardas
• Formar
capacidade em organizações não-governamentais
• Fortalecer
o sistema jurídico para garantir sua eficácia e independência
Fontes:
Nussbaum, Ruth, personal communication,
julho de 2008.
Saunders, Jade,
Johannes Ebeling e Ruth Nussbaum (2008). Forest
Governance and Reduced Emissions
from Deforestation and Degradation, Chatham House
Briefing Note, Chatham House, UK.
Banco Mundial
(2008). Forest Sourcebook,
World Bank, Washington, DC, USA
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