terça-feira, 15 de maio de 2012

CARTA DA VI CONFERÊNCIA DO FAOR À SOCIEDADE E GOVERNOS.


Por ascom_ mdc

O Fórum da Amazônia Oriental é uma Rede que engloba uma diversidade de atores sociais representados através de organizações de variados tipos e tamanhos, atuando em diferentes territórios a partir de diversas temáticas, articulando-se num espaço único para desenvolver ações conjuntas em vista do combate a todas as formas de desigualdades, discriminação e violência e em favor de políticas públicas inclusivas e sustentáveis sob todos os aspectos (ambiental, social, econômico e cultural), além de enfrentar radicalmente o modelo hegemônico desenvolvimentista no Brasil – e na Amazônia, em especial.

Estamos às vésperas da realização da Conferência da ONU para o desenvolvimento e o meio ambiente - a Rio+20, onde serão definidos compromissos dos países para enfrentamento das mudanças climáticas no planeta, após 20 anos da realização da Rio 92, quando foi firmado um conjunto de medidas para combater as alterações climáticas e, ao mesmo tempo, garantir o desenvolvimento sustentável e do qual pouco ou nada foi feito. O FAOR articulado com outros fóruns e redes está se organizando na realização da Cúpula dos Povos, paralelo a Rio+20, para visibilizar as experiências exitosas  com respeito a sociobiodiversidade que possam servir de exemplos à implementação de políticas públicas e denunciar os impactos da globalização capitalista com suas falsas  soluções, que favorecem a expansão do capital na exploração acelerada dos bens comuns.

Este novo movimento do capital se manifesta em dois planos. Primeiro na busca de apropriação e mercantilização de novos espaços territoriais (solos, subsolos, fundos marinhos, éter) e de novos domínios (biodiversidade, ecossistemas, corpo humano, culturas, conhecimentos). Esta disputa pelos territórios na região amazônica tem a violência como parte constitutiva da sua própria reprodução.

No caso da (Pan)Amazônia a violência a que são submetidas populações indígenas, ribeirinhas, extrativistas, agricultores(as) familiares, remanescentes de quilombos não é algo contingencial. Ou seja, não é exceção a regra, mas a regra em si mesma. É preciso expropriá-las, expulsá-las ou confiná-las em espaços bem delimitados para que as terras da (Pan)Amazônia possam ser transacionadas no mercado, vendidas e compradas. E se essas populações não podem ser retiradas de seus territórios, para atingir esse propósito mudam-se as leis para que mineradoras, madeireiras, empreiteiras e outras possam acessar os recursos naturais existentes nesses locais.

A maneira ainda mais sofisticada nessa etapa de globalização capitalista para garantir ao grande capital o acesso, uso e controle de vastos territórios da (Pan)Amazônia é o mercado de carbono. Tal mercado, se constituído, permitirá às corporações econômicas e aos Estados nacionais mais poderosos (Estados Unidos, China, França, Alemanha, Japão e outros) negociarem o direito de poluir a atmosfera, pagando aos demais países por esse direito através da compra de títulos na bolsa de valores: é a carbonificação da economia ou a financeirização da natureza. Como tudo no capitalismo, a ideia é proporcionar imensos lucros a essas corporações e seus Estados com a crise ambiental. É isso mesmo: a crise ambiental se transformou numa mercadoria valiosa, mesmo que isto venha agravar os riscos à nossa própria existência enquanto espécie.

Os defensores dessa estratégia também denominada economia verde tentam a todo custo convencer a sociedade de que o mercado é a melhor alternativa à crise ambiental. Tentam convencê-la de que não há necessidade de qualquer mudança estrutural do próprio sistema, que basta a adoção de instrumentos “mais eficientes” de mercado para que o problema seja solucionado. Aí surgem siglas e mais siglas que muitos(as) de nós sequer conhece o significado: REDD, REDD+, REDD PLUS e tantos outros. Por trás desse emaranhado de letras escondem-se interesses poderosos para garantir a livre expansão do capital e o controle de territórios e seus recursos.

Na (Pan)Amazônia muitas empresas (nacionais e estrangeiras) buscam freneticamente estabelecer acordos comerciais com povos indígenas através de contratos. Quando lemos tais contratos vemos com clareza que o objetivo é garantir aos conglomerados econômicos o controle dessas áreas, da sua biodiversidade, enquanto que às comunidades se pretende repassar recursos que nem de perto se aproximam dos lucros que serão obtidos pelas empresas, bem como as responsabilidades legais e financeiras de manter a área preservada.

Às medidas abordadas acima para garantir o acesso, uso e controle de territórios soma-se a execução de grandes projetos de infraestrutura na (Pan)Amazônia. Hidrelétricas, portos, aeroportos, hidrovias, rodovias, gasodutos, sistemas de comunicação, redes de energia e postos de fronteira estão sendo implantados para garantir justamente a expansão acelerada do capital na nossa região, cujos impactos socioterritoriais têm sido nefastos às populações tradicionais e outros segmentos, em particular às mulheres e jovens.

Denúncias de operários(as) submetidos(as) a condições análogas à escravidão, violência sexual, prostituição de adolescentes, disseminação do consumo de drogas, particularmente do crack, assassinatos e outras formas de violência são comumente registrados nas áreas onde estão sendo executados os empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). É o que ocorre, por exemplo, nas regiões impactadas pelas hidrelétricas Santo Antonio e Jirau no rio Madeira, em Rondônia, e em Belo Monte, no Pará.

Os/As agricultores(as) familiares convivem com ambíguas políticas governamentais que, de um lado, promovem o fortalecimento da produção de base familiar e, de outro, fomentam o avanço do monocultivo do dendê e de outras oleaginosas, através do Programa Federal do Biocombustível, promovendo, dessa forma, exclusão social, violência, marginalização, conflitos fundiários e agrários, o assalariamento da agricultura familiar, bem como o surgimento de pequenos empresários agrícolas, competindo espaços com pequenos agricultores familiares.

Em relação às cidades da Amazônia brasileira, a grande maioria encontra-se alijada de muitas políticas governamentais em execução no país. Isto porque a política urbana contempla usualmente as grandes cidades ou aquelas integrantes de regiões metropolitanas. As pequenas e médias cidades são excluídas ou secundarizadas, privando suas populações do acesso a bens, serviços e equipamentos públicos importantes para garantir boa qualidade de vida dos(as) seus/suas habitantes.

A violência é a principal causa de mortes de jovens nas periferias urbanas. O extermínio promovido por agentes do Estado que atuam na ilegalidade, traficantes e outros cresce vertiginosamente. Contudo, setores conservadores defendem a redução da maioridade como resolução do problema da violência. Mais cárceres, menos escolas. Mais recursos para presídios e menos à cultura, à educação e ao lazer. Mais celas e menos emprego. É o que imploram tais segmentos.

As mulheres sofrem todo tipo de constrangimento pela ausência e/ou deficiência das políticas governamentais, que venham garantir sua autonomia econômica e social. Continuam recebendo menos que os homens pelos mesmos tipos de trabalho e ainda são vistas como objeto masculino. É bem verdade que muitas conquistas foram alcançadas pelas mulheres no campo dos direitos. Contudo, é verdade também que os ganhos obtidos ainda não respondem satisfatoriamente aos seus interesses e às suas demandas.

Do ponto de vista da representação, os movimentos feministas e de mulheres, reivindicam um sistema político-eleitoral democrático e laico, com fortalecimento dos partidos, financiamento democrático das campanhas, combate ao personalismo, igualdade de condições nas disputas eleitorais e combate à corrupção nas campanhas e mandatos, com paridade nos parlamentos através da instituição de listas partidárias transparentes, pré-ordenadas nas eleições proporcionais, com alternância de sexo. Nos processos eleitorais houve um aumento substancial nas candidaturas femininas para os cargos proporcionais que, no entanto, não foi acompanhado por uma elevação no número de cadeiras conquistadas por mulheres na Câmara dos Deputados e nas Assembléias Estaduais.

O preconceito contra homossexuais, negros e negras ainda é muito forte na nossa sociedade. Estes se encontram entre as principais vítimas das ações de extermínio, dos abusos de autoridade, da ausência e/ou deficiência das políticas governamentais. O racismo e o preconceito caminham lado a lado e, infelizmente, ainda ditam comportamentos e regras sociais, mesmo que legalmente proibidos.

A violação de direitos é parte da engrenagem que movimenta a grande máquina que é o sistema capitalista. No Brasil, há clara tentativa de setores conservadores de promover a desconstrução de direitos para garantir a expansão dos mercados. É a democracia definhando. A constituição Federal de 1988 vem sendo sistematicamente atacada por eles. Por outro lado, questionam demandas e/ou conquistas alcançadas: o direito das mulheres decidirem sobre seu próprio corpo, a cotas raciais para as universidades públicas, o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo, entre outros.

As populações da Amazônia possuem diversos modos de vida, uma economia centrada nas pessoas e não no capital, formas coletivas de apropriação, uso e gestão de seus territórios, tecnologias de produção agroecológicas e um saber que compartilha a sobrevivência dos ecossistemas com a segurança alimentar e cultural dos povos que vivem neles e deles.

O FAOR, portanto, defende que estas lógicas e práticas constituam-se na grande referência para a efetivação da justiça socioambiental na (Pan) Amazônia.

Diante desse cenário, a VI Conferência do FAOR apresenta a seguinte plataforma:

Fortalecimento da democracia e garantia de direitos;

1. Realização da disputa por nossos territórios,  enfrentando os conflitos socioterritoriais na perspectiva da justiça socioambiental e da preservação da biodiversidade e dos ecossistemas;
2.   Superação das desigualdades sociais e econômicas e das injustiças de gênero, de etnia, raça e de classe;
3.   Participação social: transformar as alternativas da sociedade civil em políticas públicas para um novo modelo de desenvolvimento.

VI Conferência do FAOR
Plenária Final - Belém-PA
29 de março de 2012

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