Por ascom_mdc
Opinião: Cúpula dos Povos por justiça social e ambiental, contra a
mercantilização da vida e da natureza em defesa dos bens comuns
Por Ivo Lesbaupin, da direção executiva da Abong
De 15 a 23
de junho, o Rio de Janeiro será sede da Cúpula dos Povos, evento paralelo à
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a
Rio+20. Contrariamente à Rio 92, Conferência internacional que foi um sucesso -
universalizou o tema do desenvolvimento sustentável, aprovou a Agenda 21, as
Convenções da Biodiversidade, das Mudanças Climáticas e da Desertificação -,
não há muita expectativa em relação à Rio+20.
Por um lado,
o Brasil, país que sedia a Conferência, acaba de aprovar um Código Florestal
que significa uma licença para o desmatamento e tem como carro-chefe de seu
principal programa, o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento -, a
construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que está expulsando de
suas terras vários povos indígenas e ribeirinhos, desmatando parte da floresta
e tomando um pedaço do rio Xingu. Esta é apenas a maior de uma série de usinas
projetadas para os rios da Amazônia, com grave impacto socioambiental. O
governo, além disso, contrariamente à iniciativa de outros países como a China,
a Alemanha, a Dinamarca, desconsidera energias renováveis como a solar e a
eólica (ventos), investindo pouquíssimo neste setor, embora seja um país
tropical, banhado pelo sol o ano inteiro.
Por outro
lado, as Conferências da ONU sobre Mudanças Climáticas mais recentes, de
Copenhague (2010), Cancún (2011) e Durban (2012), representaram avanços muito
tímidos com relação à grave crise ambiental que estamos vivendo. Há um enorme
descompasso entre a consciência da humanidade, alertada por relatórios
científicos cada vez mais alarmantes, e as medidas adotadas pela comunidade
internacional. Esta consciência cresceu com a sucessão de acontecimentos
extremos que os países têm sofrido – chuvas devastadoras, inundações, furacões,
tornados, tsunamis – além da progressão constante da degradação das terras para
a agricultura, da desertificação, da interrupção do fluxo de inúmeros grandes
rios em algumas épocas do ano.
O texto-base
da Rio+20, o “esboço zero” publicado em janeiro deste ano e já revisto nas
negociações da ONU, não faz qualquer menção às causas da degradação ambiental a
que estamos assistindo. Uma destas causas é a matriz energética dominante,
baseada nos combustíveis fósseis – petróleo, gás, carvão. Não há referência à
necessidade de transição para as energias renováveis - eólica, solar,
geotérmica, oceânica e outras. Não há referência ao modelo de desenvolvimento
responsável pela destruição de recursos naturais numa escala sem precedentes na
história da humanidade, o modelo produtivista-consumista.
E a solução
apontada é a “economia verde”, que não é claramente definida, mas que aponta
para os “instrumentos de mercado”, para a ampliação do “livre comércio”, apela
para o mundo dos negócios, atribui às grandes empresas papel fundamental nesta
mudança e confia no FMI (Fundo Monetário Internacional), no Banco Mundial, na
OMC (Organização Mundial do Comércio) - instituições internacionais que foram
grandemente responsáveis pela crise econômica e ambiental em que nos
encontramos.
O
diagnóstico embutido nesta proposta é que a humanidade não respeita a natureza
porque não atribui valor (preço) aos bens e aos serviços ambientais prestados
por ela. Sendo assim, é necessário introduzir estes bens e serviços no mercado
e possibilitar que eles sejam pagos – por empresas – para serem preservados. É
assim que surgiu o “mercado de carbono” e os vários instrumentos derivados
desta concepção, entre os quais o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e
Degradação florestal) e o PSA (Pagamento por Serviços Ambientais). Em outras
palavras, a solução para o desastre em que nos encontramos, produzido pela
economia de mercado, é “mais mercado”.
Esta é a
razão pela qual movimentos sociais e organizações da sociedade civil de todo o
mundo vão realizar, paralelamente à Rio+20, a Cúpula dos Povos. O objetivo
deste evento é, em primeiro lugar, fazer a crítica das falsas soluções
propostas para o enfrentamento da crise, entre as quais a “economia verde”.
Conhecemos
as causas estruturais do problema e sabemos que, para reverter o processo, é
fundamental mudar o modelo de desenvolvimento dominante, voltado para o
crescimento econômico. Não podemos ficar produzindo e consumindo
incessantemente, como se nossos recursos naturais fossem ilimitados, como se a
Terra não fosse finita.
Em segundo
lugar, mostrar que existem meios para enfrentar a situação atual.
Desenvolvimento não é sinônimo de crescimento econômico, de
produtivismo-consumismo: desenvolvimento é desdobrar as potencialidades
existentes nas pessoas e nas sociedades para que todos possam viver bem. Temos de
produzir aquilo de que precisamos, não o que o “mercado” quer que consumamos.
É possível
interromper o processo destruidor e as soluções não são apenas teóricas: hoje
em dia, em vários lugares do mundo e do nosso país, estão sendo praticadas
formas sustentáveis de vida, que geram alimentos saudáveis, sem agrotóxicos,
sem transgênicos. Existem fontes de energia que não prejudicam seres humanos
nem a natureza em geral e elas são suficientes para aquilo de que necessitamos.
O que falta é generalizar estas experiências, que elas se tornem políticas
públicas, de modo que não falte água para ninguém, não falte alimentos, não
falte trabalho.
Não estamos
diante de um cenário inevitável: há soluções, elas existem. O que é necessário
é abandonar as concepções e as práticas depredadoras, assumir uma concepção de
desenvolvimento centrada na vida e eleger como política prioritária as soluções
que vêm sendo apontadas pelos povos.
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