segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Florestas, clima e política

Camila Moreno
Doutoranda, CPDA/UFRRJ
Pesquisadora associada à Terra de Direitos
cc_moreno@yahoo.com

Como ponto de partida, é importante ter claro que a negociação
internacional sobre clima vai muito além da temática ‘ambiental’ como uma
‘causa planetária’, e diz respeito a um pesado jogo de interesses que se
movimenta para pavimentar a transição global de matriz energética e definir a
política e a economia internacional em um futuro de “baixa emissão de
carbono”.

O presente subsídio para o debate espera contribuir com argumentos e
análises para que descarbonizar a sociedade não seja também sinônimo de
despolitizar.

O que se pode esperar, de fato, das negociações em curso e das
propostas concretas de um acordo global para ‘salvar o clima’ ? E além disso,
é mesmo o ‘clima’ o que está realmente em jogo ? Por que há uma
campanha declarada para influenciar e pressionar o governo brasileiro a
mudar sua posição na Convenção do Clima ? A quem interessa agora (tanto)
‘evitar o desmatamento’ ? Quem vai ganhar com isso ? E quem vai perder ?

A relação entre florestas e clima ocupa hoje um lugar de absoluto
destaque nas negociações internacionais porque as emissões resultantes do
desmatamento de florestas tropicais seriam atualmente responsáveis por
cerca de 20% do total de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera -
tanto ou mais que o setor de transporte, e só atrás do setor de geração de
energia, considerado a maior fonte de emissões.

Sob este enfoque, pagar por evitar o desmatamento e degradação do
que resta das florestas tropicais seria a forma mais rápida, fácil, e sobretudo
mais barata para evitar emissões, preservar estoques de carbono, podendo
ainda contar com a comercialização no mercado de “serviços ambientais”
prestados pela floresta, tais como água, biodiversidade, etc1. Considerando
também como estes podem ser enquadrados nas categorias de ‘serviços e
bens ambientais’ sob a OMC (como o Brasil pleiteia que seja considerado o
etanol).

As áreas com florestas tropicais no mundo somam hoje, no total,
aproximadamente 17 milhões de km²: cerca de 20% das terras do planeta.

A maior floresta tropical e que ocupa sozinha a maior parte desta área
é a Amazônia, com cerca de 7 milhões de km². Embora nove países

1 Cf. propostas em www.ecosystemmarketplace.com; www.ifc.org/biodiversity

compartilhem o bioma amazônico, a maior parte deste - 60% - está em
território brasileiro, sendo que no Brasil o bioma Amazônia ocupa 49,29% do
território nacional, sendo o maior bioma terrestre do país.

Se a solução para o clima ‘depende’ de evitar o desmatamento nas
florestas tropicais, a Amazônia, e o Brasil, assumem de saída um papel
decisivo. Em função do peso que tem para um tema desta magnitude, a
posição oficial do governo brasileiro deve ser estratégica, mas também ser
levada em conta em suas particularidades e idiossincrasias. Como é isso ? 

Brasil

O Brasil é um país chave nas negociações para a definição de um
novo regime internacional para combater e mitigar as mudanças climáticas.
Vários fatores contribuem para posicionar o Brasil de modo muito particular
na geopolítica global que está sendo redefinida através das políticas
climáticas e energéticas. A posição de negociação do Brasil em um novo
arranjo energético e climático é única porque:
-é hoje um dos quatro maiores poluidores2, sobretudo em função das
emissões geradas com o desmatamento para o avanço do agronegócio, da
pecuária e dos grandes projetos de energia-infraestrutura. Apesar disto, sob o
atual regime, onde considera-se a responsabilidade histórica e diferenciadas
dos países, o Brasil não tem que cumprir metas obrigatórias e reduzir
emissões;
-a energia ‘limpa e renovável’ (incluindo agrocombustíveis, hidrelétrica
e nuclear) contribui para que 45% do total de energia produzida e consumida
no Brasil provenha de fontes não-fósseis, comparada com somente 14% de
fontes renováveis em média na matriz energética mundial e apenas 6% de
média nos países membros da OCDE.
- a descoberta das reportadas massivas reservas de petróleo e gás do
pré-sal, que segundo alguns seria a fronteira mais promissora de petróleo
fora da OPEP ou ainda, a última grande fronteira de energia fóssil, tem um
peso estratégico crucial para um regime de transição energética;
- a liderança mundial do Brasil na consolidação de um mercado
internacional de etanol, para o quê a aposta na agroenergia foi assumida
como política de Estado (tendo como maior financiador hoje o BNDES) e que
para assegurar mercados externos tenha ao seu dispor a competência e a
infra-estrutura do Ministério das Relações Exteriores e das missões
diplomáticas brasileiras no exterior, empenhadas em evitar que argumentos
ambientais (e sociais) contra o etanol possam ser utilizados como ‘barreiras
comerciais’ - em que pese que as maiores críticas e denúncias em oposição
à expansão das monoculturas seja feita desde as próprias organizações,
universidades e movimentos sociais do Brasil.

Além destes fatores, outros elementos estratégicos que compõe uma
posição singular são:

2 World Resources Institute

-O Brasil é o primeiro entre os países megabiodiversos, ou seja, lidera
o ranking entre os apenas doze países que possuem 70% de todas as
espécies de vertebrados, insetos e plantas pesquisadas pelo mundo (cinco
deles aliás estão na América Latina). Estima-se que o Brasil tenha a maior
biodiversidade do planeta com cerca de 150 mil espécies já pesquisadas e
catalogadas ou 13% de todas as espécies de flora e fauna que existem no
mundo, e ainda faltam identificar 90% deste potencial; a Amazônia abriga a
maior parte desses recursos, com mais de duas mil e quinhentas espécies de
árvores, liderando ainda o ranking de peixes de água doce do planeta que
segundo uma pesquisa alcançaria um total de espécies entre 1,4 milhão e 2,4
milhões’3 e que são diretamente ameaçados com a construção de grandes
hidrelétricas.

-a Amazônia é hoje a maior área preservada de floresta tropical do
mundo e a maior parte dela, 60%, se encontra em território brasileiro que
cobre 50% do território nacional, o que convenhamos, por si só não é pouco,
ainda mais se considerada o que representa esta proporção de cobertura
“florestal” quanto ao estoque global de florestas.
 
Negociações Internacionais de Clima

No final 2009, de 7 à 18 de dezembro na cidade de Copenhague
(Dinamarca), terá lugar a 15ª Conferência das Partes (COP 15) da
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima
(UNFCCC), adotada inicialmente durante a Conferência Internacional sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a Rio 92, seguida dos
processo de ratificação plena. Na ocasião da Rio 92 foi adotada também a
Convenção de Biodiversidade (CBD). Juntos, estes são os dois principais
documentos que orientam as decisões e a governança internacional sobre
meio-ambiente.

No encontro de Copenhague espera-se que os países cheguem a um
acordo sobre como irão responder à crise climática e ambiental que se
agrava, colocando em risco as condições de vida no planeta e também a
continuidade da economia e da sociedade dependentes do petróleo que
historicamente causaram a mudança do clima e vêm agravando o
aquecimento global.

Representando a mais alta instância internacional para tratar de ações
e medidas para ‘salvar o clima’, no espaço multilateral da UNFCCC está
sendo formatado um novo acordo onde serão definidas metas que os países
que mais poluíram até aqui terão que cumprir para reduzir suas emissões de
gases de efeito estufa com o objetivo de estabilizar o clima.

Para estabilizar o clima, seguindo as recomendações do Painel
Internacional sobre Mundança do Clima (IPCC, por sua sigla em inglês) 4,
todos concordam que isso inclui impedir um aumento de mais de 2 graus

3 http://ambiente.hsw.uol.com.br/biopirataria.htm
4Documentos os oficiais em língua portuguesa:
http://ipccddc.cptec.inpe.br/ipccddcbr/html/index.html


Celsius na temperatura do planeta e que a concentração de dióxido de
carbono (CO2) na atmosfera não deve ultrapassar 450ppms (partes por
milhão). E para isto, segundo o quarto relatório do IPCC, a temperatura deve
começar a cair a partir de 2015. Esta referência mínima é somente indicativa
e não reflete a complexidade e a dinâmica das interações, nem a atualização
das previsões, que demandam cenários sempre mais austeros.

É fato também que o efeito da redução de emissões não se faz sentir
imediatamente e que quanto mais tarde se começa a reduzir, mais tempo se
levará para estabilizar; da mesma forma, em função do que já foi emitido,
efeitos podem estar à caminho, independentemente do que se faça agora.

Contudo, um novo acordo climático passará a vigorar apenas após
2012, ano no qual expira o Protocolo de Kyoto (ligado à UNFCCC mas que,
distintamente desta, criou obrigações para os países). Além da definição de
metas, no novo acordo é central a forma como estas serão atingidas e quais
as políticas e mecanismos que precisam ser colocados em funcionamento
para executar a redução de emissões.

O tema vem ganhando cada vez mais espaço na mídia e na política
por sua urgência evidente diante dos impactos dos eventos climáticos
extremos e de previsões científicas que alertam para um risco cada vez maior,
mas também porque é preciso cumprir os prazos e fechar o acordo, dando
tempo para que os países ratifiquem o novo tratado, antes dele entrar em
vigor, após 2012.

Neste sentido, pode-se dizer que urgência não é tanto para cumprir
ritos burocráticos, mas sim para acordar e instalar a arquitetura e a infraestrutura
jurídica e financeira para um novo ciclo econômico que estará
atrelado à metas de “descarbonização” da economia. Este ciclo, segundo o
que está sendo discutido no âmbito da Convenção, deverá conceber e
colocar em funcionamento sistemas para medir, reportar e verificar a redução
de emissões; financiamento, desenvolvimento e transferência de tecnologias
de baixa emissão de carbono; desativação de tecnologias poluidoras; fundos
para tornar comunidades mais ‘resilientes’ e para ‘mitigação e adaptação’ às
mudanças climáticas, além de meios inovadores para ‘proteger as florestas’ e
contribuir para o balanço do ciclo do carbono.

A experiência internacional até o momento para adotar medidas
efetivas quanto ao clima e à redução de emissões tem sido,
reconhecidamente, um fracasso.

Embora tenha sido adotado em 1997, o Protocolo de Kyoto (que tem
natureza vinculante), falhou em ser um instrumento capaz de fazer com que
os países do Anexo I (historicamente os que mais poluíram e que têm
obrigação de cumprir metas de redução) reduzissem efetivamente suas
emissões poluidoras. O protocolo entrou em vigência apenas em 2005,
definido uma média de redução de 5% para o período entre 2008 e 2012 em
relação às emissões de 1990, regra válida para os 37 países que integram o
Anexo 1 (lista dos países mais desenvolvidos). Até agora não apenas não se
fizeram as reduções como, pior, as emissões aumentaram.

Este fiasco vem ocorrendo mesmo com um arranjo complexo dos
chamados “mecanismos de flexibilização”, criados exatamente para facilitar
o cumprimento das metas. Através deles foram estabelecidos os esquemas
existentes - todos dentro de um lógica de mercado - que incluem:
-o comércio de emissões (entre países do Anexo I com metas a
cumprir e que venderiam a outros países suas reduções “excedentes”);
-a implementação conjunta (entre países do Anexo I no qual o projeto
de redução de emissões é implementado em outro país do Anexo I onde o
custo seja mais baixo) e
-o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), categoria que
permite que países e corporações poluidoras possam ‘compensar’ as suas
emissões, e, ao invés de reduzi-las na origem, em seus próprios países,
possam fazê-lo através de projetos localizados em países que não têm
obrigação de reduzir emissões. Desta forma, países do Sul global, teriam a
oportunidade de obter renda ao implementar projetos de seqüestro de
carbono da atmosfera através de projetos destinados a este fim, e com a
venda de créditos de carbono ter recursos para investir em tecnologias limpas,
por exemplo, beneficiando assim diretamente estes países.

Os Estados Unidos, maior país poluidor do planeta, arrogantemente se
recusou a assumir sua responsabilidade ambiental e climática e somente
ratificou o Protocolo de Kyoto em dezembro de 2007, durante a COP 13, em
Bali na Indonésia.

Na COP 13 os 190 países da UNFCCC aprovaram um documento
chamado “Mapa do Caminho” (Bali Road Map) que define um roteiro com os
princípios que vão guiar as negociações do regime global para reduzir
emissões e combater as mudanças climáticas, que sucederá ao Protocolo de
Kyoto; pelo cronograma estabelecido os países da Convenção terão até 2009
para definir o substituto, ou seja, para definir qual será o mecanismo global
de mudanças climáticas após o final do primeiro período de compromisso do
acordo, em 2012.

Entre as propostas que estão na mesa para a reunião de dezembro de
2009 na cidade de Copenhague, Dinamarca, é central a relação entre
florestas e clima, embora no histórico de negociação da UNFCCC isto não
tenha sido assim antes.

No centro da polêmica está a proposta de que o novo regime global de
governança com relação à mudança do clima que está sendo desenhado
para suceder o primeiro período de compromisso do Protocolo de Kyoto
(2008-2012), deverá, necessariamente, incluir um mecanismo para
compensar economicamente os países que conseguirem colocar em marcha,
e comprovar, a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação
florestal em países em desenvolvimento, REDD.
 

“Lula, Obama, as florestas e o clima”

Na negociação internacional, a posição do Brasil tem sido a de rejeitar
a proposta de que ‘evitar o desmatamento’ nas florestas tropicais possa servir
de “compensação” (offseting) para metas de redução de emissões que
devem ser cumpridas pelos países poluidores, em casa, direto na fonte, e
também de não admitir a oferta de créditos de carbono das florestas e do
‘desmatamento evitado’ em mercados. Isto poderia inundar o mercado com
créditos fartos e baratos, tornando bem fácil para os países poluidores não
fazerem nada de efetivo com relação à mudança do clima, que obteriam
através dos créditos licenças (e direitos) para poluir, atrelando grandes áreas
de territórios de países do Sul para “compensação”. Além disso, a
propriedade do crédito de carbono, também garante direitos (e proteção
jurídica) sobre o carbono e, logo, de proteger a propriedade dos créditos onde
este carbono que lhe deu origem estiver estocado. No caso, em vastas
extensões de território, que embora não estejam de fato à venda, irão derivar,
através do carbono, direitos de propriedade sobre a terra.

No caso das florestas, a entrada de créditos de carbono originados
destas em mecanismos de mercado, acarretaria, legalmente, restrição de
direitos, impulso à privatização da terra e potenciais violações à garantias
coletivas sobre acesso e uso dos recursos naturais e biodiversidade. Nesta
linha de argumentos estão muitos dos críticos de propostas de REDD e
mercados.

A posição oficial brasileira tem sido, até aqui, a de propor que o
desmatamento evitado é sim uma grande oportunidade para avançar as
políticas climáticas, mas, de forma absolutamente isolada no âmbito da
UNFCCC, propõe que o mecanismo de REDD seja operacionalizado através
de um fundo voluntário, nos moldes em que foi concebido o Fundo Amazônia
no Brasil (gerido pelo BNDES5), para que seja manejado pelos governos, de
forma que a redução do desmatamento seja adicional aos compromissos de
reduzir emissões e não seja uma alternativa em lugar disso.

Esta posição vem sendo publicamente questionada por atores que se
mobilizam para influenciar e lograr com que os negociadores revejam e
mudem esta posição.

Um artigo de opinião entitulado “Lula, Obama, as Florestas e o Clima”,
publicado no Jornal Valor Econômico 25/04/2009, sugeria dois movimentos
que podem alterar substancialmente o panorama nacional e mundial: a
posição do Brasil, interna e externa, poderia arrefecer e aceitar incluir os
créditos de carbono florestal no “ascendente mercado de créditos de
carbono”, e/ou buscar um acordo bilateral entre Lula e Obama, para que com
a garantia de uma fonte estável e abundante de créditos de carbono gerados
pela redução de emissões por desmatamento (REDD) seja possível aos
americanos utilizar os créditos, viabilizando assim
“(...) um compromisso interno de redução mais significativo [que
permita] trazer os EUA de volta à mesa de negociação da ONU”.

Os EUA da nova administração Obama precisam de uma fonte barata
de emissões para dar a volta por cima e recuperar o tempo (e a arrogância)
perdidos em todos os anos que se omitiram de suas responsabilidades
climáticas diante do resto do mundo e o Brasil está sendo escolhido,
prioritariamente, para ser um sumidouro barato dos EUA ? É isso mesmo ?
Vejamos :
(...) A política do governo deveria, portanto, ir além do incentivo a doações
compensatórias de reduções passadas na taxa de desmatamento, que já

5 http://www.bndes.gov.br/fundoamazonia/default.asp

alimentam o Fundo Amazônia do BNDES, mas deveriam também considerar
o ascendente mercado de créditos de carbono.

A alegação oficial de que a opção pelo mercado não apresenta contribuição
adicional para a redução de emissões, pois a diminuição de desmatamento
estaria apenas autorizando emissões pela queima de combustíveis fósseis
em países do Norte, é uma meia verdade. Se a compensação não trouxesse
vantagem para o clima, não haveria como sustentar a pertinência do MDL
(Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) e outros. Eles existem para
viabilizar o cumprimento de metas com menor custo, favorecendo o esforço
internacional pela redução de emissões. Assim, qualquer sistema proposto
pela ONU para reduzir as emissões de gases poluentes no período pós-
Kyoto que admita hipóteses de compensação que incluam mecanismos de
mercado (crédito de carbono), deve estar fortemente ligado ao aumento das
metas obrigatórias para os países desenvolvidos.

Este raciocínio se aplica ao futuro mercado de carbono que está surgindo
nos EUA. Se for possível aos americanos utilizar créditos gerados pela
redução de emissões por desmatamento (REDD), será possível viabilizar
compromisso interno de redução mais significativo e trazer os EUA de volta à
mesa de negociação da ONU.

Já há modelos econômicos que apontam grandes benefícios para o clima
sob um possível acordo bilateral Brasil-EUA que considere as metas
anunciadas. Existindo a opção de compra de créditos de reduções do
desmatamento, os EUA poderiam reduzir de 4% a 10% acima da meta
anunciada e, atenção, sem custo adicional. Poderiam, assim, aportar
recursos técnicos e financeiros e garantir efetividade e velocidade na redução
do desmatamento no Brasil, gerando uma dinâmica cujo resultado seria um
real benefício para o clima”.

O artigo de opinião é assinado por: Márcio Santilli, diretor do Instituto
Socioambiental (ISA), Paulo Moutinho, diretor do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (IPAM) e Steve Schwartzman, diretor do
Environmental Defense Fund (EDF), organização dos Estados Unidos6.

Coincidentemente, dois dias antes da publicação deste artigo, foi
lançada uma nota pública de várias organizações ambientalistas dos EUA (da
qual o EDF não consta) naquele país, demandando exatamente o contrário:
para que se “fechassem as comportas para compensações de carbono”,
Environmental Groups Urge Waxman/Markey to Close the Floodgate on
Carbon Offsets7 (Grupos ambientalistas urgem que Waxman/Markey feche as
comportas para compensações de carbono). O alerta chamava a atenção
para a oposição de vários grupos nos EUA quanto ao artifício - em curso –
nas negociações sobre a nova lei energética climática (Waxman/Markey)

6 http://www.ipam.org.br/web/noticia.php?id=96&PHPSESSID=3f5e18244d09decb91a9d9f1bf
ac8b38
7Nota foi publicada em 23/04/2009.
Ver. http://www.redd-monitor.org/2009/04/24/environmental-groups-urge-waxmanmarkey-toclose-
the-floodgate-on-carbon-offsets/








relativo à inclusão massiva de offsets autorizados em outros países para
cumprir com as metas nacionais.

Na nota, as organizações rejeitavam compensações (offsets) fora dos
EUA para a política de cap-and-trade que avança para sua aprovação, além
de alertar para o risco deste fator vir a impulsionar grandes projetos Business
as Usual, como plantações florestais, hidrelétricas e aterros sanitários nos
países do Sul. A nota é assinada pelas seguintes organizações: 350.org, 1
Sky, California Communities Against Toxics, Chesapeake Climate Action
Network, Church World Service, Eco-Justice Collaborative, Energy Justice
Network, Environmental Justice and Climate Change Initiative, Essential
Action, Friends Committee on National Legislation, Friends of the Earth,
Greenaction for Health and Environmental Justice, Greenpeace, Little Village
Environmental Justice Organization, Indigenous Environmental Network,
Institute for Energy & Environmental Research, International Rivers, Maryknoll
Office for Global Concerns, Nuclear Energy Information Service, Nuclear
Information and Resource Service, Public Citizen, Rainforest Action Network,
Safe & Green Campaign, Shalom Center, Sustainable Energy & Economy
Network, Unitarian Universalist Association of Congregations.

No mesmo dia da nota dos EUA, 23/04, foi publicada uma nota do
Greenpeace em defesa da posição do governo brasileiro: Greenpeace diz
que carbono de florestas não ajuda clima. Estudo do Greenpeace dá apoio à
posição que o governo brasileiro defende praticamente sozinho na
Convenção do Clima, a de não incluir o desmatamento no mercado
internacional de carbono. A íntegra da nota:

“É difícil ver ONGs ambientalistas e governos em acordo. Ainda mais quando
o assunto é o comércio de emissões de carbono de florestas, a organização
é o Greenpeace e o governo é o do Brasil. Mas, no caso do REDD (Redução
de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), mecanismo em
negociação no âmbito das Nações Unidas para mitigar o efeito estufa e
compensar as nações pobres, é precisamente isso o que vem acontecendo.
Um novo estudo do Greenpeace dá apoio à posição que o governo brasileiro
defende praticamente sozinho na Convenção do Clima, a de não incluir o
desmatamento no mercado internacional de carbono”.

Num mercado desse tipo, países ricos financiariam a redução do
desmatamento em países pobres em troca de "créditos" que lhes
permitissem deixar de cortar emissões. De acordo com o relatório, divulgado
na semana retrasada em Bonn, na Alemanha, se as florestas entrassem
indiscriminadamente nesse mercado, o preço do carbono cairia até 75%.
Carbono barato demais atrapalha os esforços para conter a mudança
climática. A pesquisa mostra também que a medida poderia fazer com que
países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil, perdessem bilhões
de dólares por ano em investimentos em tecnologias de energia limpa. Esses
países dependem de incentivos para fazer a transição para tecnologias que
emitem menos carbono. O setor perderia interesse porque os créditos de
floresta são mais baratos”.

O argumento do Greenpeace não está “superado” como apontam seus
opositores8. Pelo contrário, a cada dia aumentam e ganham corpo as vozes
críticas, sustentadas por graves evidências e apontando o risco da tendência
de criar um grande cassino global sobre as florestas9.

Mercado de carbono e falsas soluções: a quem interessa ?

No caminho para uma economia de baixo-carbono, a estratégia que
vem se impondo como prioritária é a de reduzir rapidamente emissões ‘em
escala’, de preferência com baixo custo e sem alterar estilos de vida,
especialmente daqueles que já avisaram há algum tempo que o seu não é
negociável10. Isto permitiria que os países que tenham que cumprir com as
metas obrigatórias de redução, em especial aqueles que historicamente são
os maiores poluidores e mais contribuíram para as emissões de gases de
efeito estufa poluição, possam encontrar uma ‘escapatória’.

Esta escapatória significa que ao invés de enfrentar na esfera
doméstica dos seus países o peso político e eleitoral da execução de
medidas efetivas para: radicalizar a eficiência energética com regulação e
normas para todos os setores da indústria (especialmente na construção civil
e geração de energia), otimizar a expansão do sistema de transporte público,
criar e cumprir com metas mandatórias de substituição progressiva para
matrizes de energias ‘limpas e renováveis’, e sobretudo reduzir drasticamente
o consumo, é mais fácil e conveniente para os países poluidores a
possibilidade de “compensar” (offset) estas emissões não reduzidas em casa,
através da compra de créditos de carbono no mercado.

No jargão, este argumento é expresso na máxima: “sem florestas, a
conta não fecha”. No Brasil, os que defendem a entrada das florestas (ou de
parte delas) em mecanismo de mercado e como possibilidade de
compensação sempre têm o cuidado de ser politicamente corretos ao
apresentar seus gráficos e prognósticos e insistir que ‘mesmo fazendo tudo,
mas tudo mesmo que é possível fazer em seus países, ainda assim, a conta
não fecha’.

A entrada das florestas no mercado de créditos de carbono é colocada
desta forma quase como um gesto magnânimo nosso para com a causa do
clima.

Na realidade é bem diferente. Nos Estados Unidos, o principal país
poluidor do planeta, está tramitando no congresso uma extensa legislação (o
projeto de lei para discussão tem 648 páginas) conhecida por Waxman-
Markey, em razão do nome dos seus proponentes no legislativo, mas que

8 Preço dos créditos de carbono e o REDD.
http://www.climaedesmatamento.org.br/revista/ver/124
9 Forest carbon market already shows cracks
http://www.reuters.com/article/GCAGreenBusiness/idUSTRE55302M20090604?pageNumber
=1&virtualBrandChannel=0 4/06/2009
10 Na Conferência do Rio em 1992, o presidente dos EUA, George Bush (sênior) proferiu o
moto “The American lifestyle is non-negotiable” que de forma sintética segue expressando a
disposição do seu país com relação à assumir suas responsabilidades ambientais e
climáticas com o resto do planeta.


não deixa claro sobre outros atores que são os verdadeiros mentores e
promotores da proposta, o que lá é público, entre os quais, o mais
proeminente, a mega organização ‘não governamental’ de lobby ambiental de
grandes corporações poluidoras, o Environmental Defense Fund (EDF) 11. O
EDF também é, assumidamente, um think-tank do ambientalismo de mercado
na sua versão mais fundamentalista12.

Além de especulações sobre se o EDF não deveria perder seu status
de organização non-profit (filantrópica) em função de seu ‘ativismo’
abertamente corporativo13, o EDF é um dos atores mais empenhados em
aprovar a nova lei.

No texto da Waxman-Markey a principal provisão é estabelecer uma
política de clima e energia ancorada em um sistema nacional de cap-andtrade.
Um teto de licenças para emissões poluidoras concedido pelo governo
às empresas (cap) e a possibilidade de compra e venda (trade) no mercado
dos créditos que faltarem para justificar as emissões não autorizadas.

Em se tratando, enfim, de uma política doméstica para o país com o
maior passivo climático e ambiental para com o planeta, e que também é o
maior emissor de gases de efeito estufa e o maior consumidor individual de
petróleo, poderia ser uma notícia auspiciosa. Mas parece que não é.

No estágio atual das negociações do projeto de lei, fala-se em até 45%
da meta de emissões poderão ser reduzido em offsets fora do país. Uma
articulação de apoiadores da radicalização deste dispositivo, que se intitulam
“partners on avoided deforestation” (parceiros no desmatamento evitado), tem
como primeiro ponto de pauta “incluir florestas internacionais” para as quais
pedem “acesso ilimitado”, embora conservadores defendam um “teto” de
(apenas) 45%.14

Para o EDF esta é uma oportunidade rara, na qual ‘políticos,
segmentos massivos da comunidade de negócios, assim como os

11 Broder, John (2009) From a theory to a consensus on emissions. NY Times, 17 de maio,
página A1.
http://www.nytimes.com/2009/05/17/us/politics/17cap.html?_r=1&scp=4&sq=defense%20fund
%20waxman&st=cse
12 Krupp, Fred. (2008) The Making of a Market-Minded Environmentalist. Strategy + Business,
Summer. http://www.strategy-business.com/press/16635507/08201?tid=230&pg=all Uma
pérola. Relato em primeira pessoa da trajetória de Krupp, presidente do EDF desde 1984 e
sua luta para ‘unir ciência, economia e leis para resolver problemas ambientais’, também
autor do livro ”Earth: The Sequel — The Race to Reinvent Energy and Stop Global Warming
(W.W. Norton, 2008).
13 Ver argumentos e documentos do debate e análises das mudanças de posição do EDF em:
Ken (2008) Has EDF spun out of environmentalism? In response to EDF's Tony Kreindle. 25
de julho Em : gristmill.grist.org/story/2008/7/24/113234/202
14 http://www.redd-monitor.org/2009/05/28/controversial-deal-between-us-based-conservationngos-
and-polluting-industry-slammed/comment-page-1/#comment-3011
 
ambientalistas estão se alinhando e comprometidos em levar adiante a
proposta’15.

E isto tem diretamente a ver com o Brasil – e a necessidade de que o
Brasil mude sua posição, aceitando offsetings para carbono florestal,
considerando o valor estratégico e decisivo das florestas tropicais.

Segundo os promotores deste modelo de “solução” para o clima, cerca
de metade (50%) do carbono florestal do mundo está hoje estocado nas
florestas tropicais. Enquanto todas as florestas do mundo (tropicais, boreais e
outras) guardariam no total 300 bilhões de toneladas de carbono, a floresta
Amazônica sozinha guardaria uma reserva de cerca de 80 bilhões de
toneladas de carbono – o que equivale a quase um terço do estoque
mundial16.

Segundo um dado da Cordenadora de las Organizaciones Indígenas
de la Cuenca Amazônica (COICA), em todos os nove países da bacia haveria
no total cerca de 220 milhões de hectares de terra indígena titulada
(equivalente em tamanho à 1/4 do território brasileiro). No Brasil, os 100
milhões de hectares de terras indígenas e Reservas Extrativistas (Resex)
estocaria 30% do total de 47 bilhões de toneladas de carbono que, calcula-se,
estão fixadas nos troncos, galhos e no solo das florestas da toda a Amazônia
brasileira17.

Em vista disso, entende-se então porque interessa a incorporação de
povos indígenas e populações tradicionais nos debates sobre este
mecanismo. A legitimação dos termos no qual o debate está sendo colocado
também: pelo potencial risco aos seus territórios e modos de vida tradicionais,
bem como à restrição de seus direitos ao firmar contratos de comercialização

15 Uma personalidade de destaque que usou do seu prestígio para assegurar que não há
porque temer e que a nova lei será “boa para a economia” é ninguém menos que Lawrence
Summers, hoje presidente do National Economic Council, apontado por Obama, e que antes
disso foi economista chefe do Banco Mundial (BM), e neste cargo ficou mundialmente
conhecido pelo vazamento do seu memorando ‘satírico’ em 1991. Neste memorando
propunha-se responder a sua própria pergunta de ‘se o BM não deveria encorajar MAIS a
migração de indústrias poluidoras para os países menos desenvolvidos ? Fornecendo a
seguir três razões, segundo a lógica impecável do BM, sintetizada no tema de que a
pobreza e a condição de país ‘menos-desenvolvido’ (least developed) barateava os custos
de transação porque, nestes casos, os impactos ambientais eram relativizados. Em outras
palavras, importar pneus velhos ou aceitar ser aterro de lixo tóxico, por exemplo, pode ser
atrativo para países pobres que nõa poderiam dar-se ao ‘luxo’ de apegarem-se a critérios
ambientais, quando tem urgência de gerar renda para o ‘desenvolvimento’.
http://en.wikipedia.org/wiki/Summers_memo

16 Os dados que quantificam o estoque de carbono que estaria disponível nas floresta
tropicais são altamente disputados e há diversas metodologias para realizar a estimativa com
maior ‘precisão’ possível. Sendo todos interessados em comprovar da forma mais
conveniente a mercadoria que pretendem vender, ou comprar, é um tema da maior
importância mas que não será tratado aqui em detalhe, o que também não é o propósito
deste texto. Para uma extensa compilação de papers sobre contabilidade de carbono
florestal, simulação, modelagem, experimentos (em inglês) ver: Environmental Research
Letters (ERL). Em: http://www.iop.org/EJ/journal/erl

17 http://www.ecodebate.com.br/2009/05/13/estudo-do-ipam-avalia-que-as-terras-indigenas-ereservas-
possuem-30-do-carbono-estocado-na-amazonia/

sobre o carbono ‘estocado’ em suas terras, mas também, pelas alegadas
vantagens econômicas que a oportunidade traz, através do crescente
interesse internacional sobre evitar o desmatamento via mecanismos de
mercado como forma de garantir a preservação das florestas.

Nesta ótica os povos indígenas são um fator decisivo para legitimar, ou
questionar e alterar (e até mesmo rechaçar) qualquer acordo global sobre o
clima que dependa de florestas. Na prática contudo, estas coisas não são
simples e há vários elementos que devem ser tomados em conta e
analisados na sua complexidade, que incluem: representação política legítima
dos povos para negociar contratos que envolvem os territórios ‘em nome de’;
autoridades tradicionais locais; temas inter-generacionais; linguagem e
tradução; extrapolação e perversão da assessoria ‘técnica’; dinâmicas de
cooptação, corrupção, etc. Estes temas não serão desenvolvidos neste texto.

Contudo, vale registrar que o futuro da implementação de uma política
de clima, que venha a ser ancorada em redução de emissão primariamente
realizada através de “compensações florestais”, terá como uma questão (do
ponto de vista de sua efetividade mercadológica) os critérios técnicos e
metodológicos para um sistema capaz de ‘medir, reportar e verificar’ (MRV) o
estoque de carbono, um tema que é absolutamente hermético para leigos e
pessoas comuns (o que dirá para populações tradicionais e povos indígenas)
e que fará com que a negociação sobre o cumprimento ou não das metas,
bem como a produção ou não da mercadoria à venda, esteja sempre
vinculada a confiabilidade e ao manejo destes cálculos.

Ao mesmo tempo em que as florestas seriam transformadas em
grandes reservas (ou armazéns...) de carbono, o “reflorestamento” de áreas
degradadas anuncia-se como uma gigantesca indústria global em ascensão,
incluindo, por suposto, a expansão massiva de plantações de monoculturas
de árvores de espécies exóticas (palma, eucalipto, etc) como solução de
escala para seqüestrar carbono da atmosfera e também produzir matéria
prima e biomassa para fonte de energias ‘limpas’.

Rumo à economia de baixo carbono ou à bio-economia

As florestas tropicais são consideradas hoje um elemento fundamental
para consolidar a ‘transição’ para um novo ciclo econômico, que será, mais
cedo o mais tarde, mas inexoravelmente, pós-petróleo.

Embora a ‘transição’ rumo à economia de baixo carbono evoque um
processo de longa duração, devemos considerar em termos proporcionais ao
curto que foi o capítulo fóssil na história da humanidade. Ainda mais se
levamos em conta que embora o uso de energia fóssil começa
sistematicamente há 150 anos com a Revolução Industrial e a invenção da
máquina à vapor, o uso disseminado do petróleo é relativamente muito mais
recente, como no caso do Brasil, com a criação da Petrobrás na década de
50 do século XX18.

Em que ritmo a nossa sociedade petrodependente irá se
descarbonizar ?

O New Green Deal é bem explícito: é fundamental criar um marco legal,
que depende dos Estados, para que a indústria possa dar a resposta
apropriada. Este movimento estrutural do capitalismo “para lidar com a crise
financeira, energética e climática que ameaça o sistema neste ponto precário
da história” vem sendo denominado como a passagem para a Terceira
Revolução Industrial por seus principais teóricos e promotores19.

Este ciclo que está sendo inaugurando tem o “carbono-equivalente”
como sua principal unidade de valor20.

O que está tomando forma é uma economia fundamentalmente
baseada na biomassa, ancorada na agroenergia para prover bio-refinarias
capazes de reproduzir em versão ‘verde’ todos os produtos da atual cadeia
petroquímica (bio-plásticos), fibra de celulose para a indústria têxtil, geração
de bio-eletricidade e inclusive fabricar hidrogênio a partir da biomassa21, além
dos agrocombustíveis.

Porém, o acesso, uso e controle de territórios e recursos naturais é
eminentemente um tema de primeira grandeza da política. Qualquer
sociedade e economia, independentemente do tempo e do lugar, dependerá,
sempre, fundamentalmente, de uma base ecológica para obter água, ar,
alimento, energia e matérias primas e isso depende de controlar um território
capaz de prover estas necessidades básicas e insubstituíveis.

18 Em 1932 é produzido o primeiro laudo técnico atestando a existência de petróleo em
território brasileiro. Após uma série de medidas institucionais e discussão sobre o uso e a
exploração dos recursos do subsolo brasileiro ocorre à criação do CNP - Conselho Nacional
do Petróleo em 1938, que estabeleceu várias diretrizes sobre o petróleo e determinou que as
jazidas pertencessem à União. Em 1939 o primeiro poço de petróleo foi encontrado, seguido
de novas prospecções governamentais ao longo do território brasileiro. Em 1941 o governo
brasileiro anunciou o estabelecimento do campo de exploração petrolífera de Candeias,
Bahia e apesar da pequena escala destas descobertas, o surgimento dessa nova riqueza
incentivou a oficialização do monopólio estatal sobre a atividade petrolífera e a criação da
empresa estatal “Petróleo Brasileiro S.A.”, mais conhecida como Petrobrás em 1953.
Contudo, até o ano de 1973, a principal fonte energética da matriz brasileira era a lenha,
nativa.
19 Rifkin, Jeremy (2008). Leading the way to the Third Industrial Revolution. European
Energy Review, special edition, december
20 A unidade dos créditos de carbono nos “Certificados de Emissões Reduzidas” (CER’s) é
padronizada em toneladas de carbono equivalente. Isso vale porque os CER's não levam em
conta só a redução das emissões de dióxido de carbono (CO2), mas também das emissões
dos outros gases do efeito estufa: metano (CH4), óxido nitroso (N2O), perfluorcarbonetos
(PFCs), hidrofluorcarbonetos (HFCs) e hexafluoreto de enxofre (SF6).
21 Balat, Mustafa. & Balat, Mehmet (2009) Political, economic and environmental impacts of
biomass-based hydrogen. International Journal of Hydrogen Energy, Volume 34, Issue 9,
May, Pages 3589-3603

Resta saber como a nova economia da biomassa irá estabelecer
novos conflitos territoriais.

Ambientalismo de mercado, políticas de clima e biodiversidade

No cenário internacional há um crescente debate e posicionamento crítico
entre organizações, movimentos e redes da sociedade civil sobre o rumo que
estão tomando as negociações no âmbito da convenção do clima. Análises
sobre as posições mais recentes dos governos dão conta de que ‘um novo
tratado global sobre o clima está tomando forma para ter em seu centro o
comércio de carbono, criando assim novas escapatórias para evitar a limpeza
do clima’22. E uma das principais “escapatórias” pode ser identificada no
esforço de colocar à venda no mercado de emissões os créditos decorrentes
do desmatamento evitado das florestas tropicais e do seu estoque de
carbono cuja maior reserva mundial encontra-se na Amazônia.

Parece que o desafio das mudanças climáticas está sendo tomado em
geral por representantes dos governos e dos atores corporativos como (mais)
uma oportunidade de negócios. Este tom serviu exatamente de lema
“transformando riscos em oportunidades” para o encontro World Business
Summit on Climate Change (entre 24-26 de maio deste ano, também em
Copenhague) que convocava os participantes para discutir sobre como
influenciar com suas propostas as negociações da Convenção do Clima, ou,
“onde o futuro do seu negócio está sendo decidido” 23. A contar com o que se
reporta sobre os resultados deste encontro, há um consenso entre os ‘líderes
de negócios’ de que são mesmo os grandes vetores de desmatamento (infraestrutura,
agronegócio, madereiras, mineração, etc) que devem receber a
maior parte dos recursos advindos do comércio de créditos de carbono
obtidas através do desmatamento evitado (REDD), já que, logicamente, são
eles mesmos que realizam o desmatamento e logo, tem o poder para evitá-lo
- desde que a venda no mercado dos créditos destas emissões seja um bom
negócio, claro.

O rechaço e a oposição veemente ao mercado de carbono, embora esteja
praticamente ausente da agenda da sociedade civil no Brasil, é um tema
sério e de primeira ordem para a política ambiental e climática, segundo a
avaliação de muitas organizações e redes internacionais que convergem em
torno dos princípios e da campanha por Justiça Climática.

Apontado como uma atualização da corruptela que levou à venda de
indulgências pela igreja católica no século XVI, os créditos de carbono seriam
uma forma contemporânea de pagar para compensar os pecados dos países
e empresas poluidoras e que garantiria a quem pode pagar, livrar-se do ônus
e da dívida com o conjunto do planeta e do clima.

22 Reyes, Oscar. UN Climate Negotiations: analysis of latest positions.
http://www.carbontradewatch.org/index.php?option=com_content&task=view&id=270&Itemid
=36 08/05/2009.
23 http://www.copenhagenclimatecouncil.com/world-business-summit.html
Florestas, clima e política 15

O mercado de carbono é alvo, há anos, de críticas e argumentos que
contam com um considerável acúmulo de análises críticas e impactos
documentados do fracasso e dos vícios dos projetos que envolvem
Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL)24. Sobretudo, a oposição ao
mercado de carbono vem servindo como um divisor claro de posições
políticas dos que se opõe, e não se identificam com o “ambientalismo de
mercado”. Mas o que é isso ?

Apesar de ambos os temas – clima e biodiversidade – serem
intrinsecamente interdependentes na prática, estes têm sido tratados nos
fóruns oficiais e nas negociações de forma dissociada, quase esquizofrênica.

Comparativamente, em termos de participação da sociedade civil, a
Convenção da Biodiversidade (CBD) congregou indiscutivelmente maior
familiarização com os temas, permitiu o engajamento, estratégias de
lobby/incidência e foi um espaço de mobilização/articulação para que pautas
de luta locais dos movimentos sociais e de organizações da sociedade civil
interagissem, e se confrontassem, em um espaço concreto com o avanço das
políticas internacionais de biodiversidade (e também com a realidade do
biopoder), cujo caso mais emblemático são os transgênicos, mas onde
também se visibilizou no marco da propriedade intelectual a biopirataria e a
pilhagem sobre os conhecimentos tradicionais dos Povos Indígenas.
Obviamente, esta interação deve ser entendida no que isto é viável e realista
dentro da “participação” tal como ela ocorre no sistema ONU.

Já no caso da Convenção sobre as Mudanças Climáticas (UNFCCC) a
participação da sociedade civil e de movimentos sociais, pode-se dizer, foi
praticamente inexistente o que contribuiu para a despolitização ser a tônica
dominante do tratamento das questões sob a Convenção. A base da política
climática se pretendeu ‘científica’ e despolitizada desde o início, quando dois
anos antes de adotada a Convenção foi estabelecido o IPCC, órgão de
especialistas científicos que assessora os negociadores sobre clima. Embora
ao longo do tempo articulações de participação tenham se formado no
espaço da UNFCCC, onde hoje estão redes como Climate Action Network
(CAN), e mais recentemente a Climate Justice Network (CJN), além do Grupo
de Durban, e ainda articulações de jovens, frente à dimensão e urgência do
problema, a participação da sociedade majoritariamente afetada ainda é
insignificante. Mas no âmbito da UNFCCC o mais grave é o histórico de não
participação dos Povos Indígenas, cujos territórios correspondem em geral às
áreas mais preservadas (florestas) e regiões ambientalmente mais frágeis
aos efeitos da mudança do clima (por exemplo, Alaska, zonas costeiras da
Ásia, países insulares com alta porcentagem de população indígena como
Filipinas e Indonésia, etc) e onde agora se pretendem implementar projetos

24 A forma como estes vêm sendo implementados é tão ruim que até o predidente do EDF
recomenda que este é um caso perdido e devem ser inteiramente abandonados e, lógico,
substituído por um mecanismo melhor, mais eficiente.
http://blogs.wsj.com/environmentalcapital/2009/03/19/edfs-fred-krupp-on-cap-and-tradeoffsets-
and-indiana-grandmothers/


de compensação pelo desmatamento evitado 25 . Sobre este ponto é
importante destacar que embora a Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP) tenha sido finalmente aprovada em
2007, constituindo um marco legal fundamental para a defesa dos direitos e
dos territórios dos povos indígenas, ainda assim, durante a última reunião da
UNFCCC em Poznan, Polônia, em dezembro de 2008, governos exigiram a
retirada do texto que fazia referência à exigibilidade de garantir e respeitar os
direitos dos povos indígenas, o que inclui a consulta mas também o
consentimento livre, prévio e informado como condição sine que non para
implementar projetos de redução de emissões que venham a impactar sobre
seus territórios titulados, mas também às terras ancestrais e lugares
sagrados. Mesmo diante de protestos, com o No Rights, No REDD (se não
garantir os direitos, então não ao REDD), a Convenção manteve a referência
às garantias da UNDRIP fora do texto final.

Em comum, pode-se dizer que tanto a CBD quanto à UNFCCC estão hoje
absolutamente reféns da lógica privatizante e mercantilizante, e já não
representam, no conteúdo do que negociam, anseios ou compromissos reais
com questão da vida do planeta. Tanto na política internacional de clima,
centrada em estabelecer um mercado de carbono, legalizar o direito de poluir,
privatizar a atmosfera e controlar territórios e recursos naturais alheios
através de mecanismos de compensação, como nas políticas de
biodiversidade, o mundo corporativo ocupa um espaço absolutamente
escandaloso e ilegítimo de influência no lobby para a condução do processo
e a tomada de decisões: os interesses organizados dos novos “negócios” do
clima e de biodiversidade.

Se há algum movimento ambientalista que ganhou corpo no marco dos
dois documentos propostos inicialmente quando da Rio 92 para promover a
governança ambiental internacional, este foi o do “ambientalismo de
mercado” e das “falsas soluções” que produz.

E é esta concepção de ambientalismo está em vias de se institucionalizar
em escala global para garantir que o New Green Deal do governo Obama e
sua política climática e energética a caminho sejam o tour de force para
marcar um divisor de águas e uma nova fase do capitalismo... verde. Como
enfrentar isto?

Política e mudanças climáticas em tempos de ambientalismo de
mercado


Em geral, a tônica dominante do debate sobre as mudanças climáticas
tem sido a despolitização e no Brasil isto não é diferente. Um dos principais
fatores que contribuem para este fato pode ser atribuído à hegemonia da
linguagem técnica e científica. Superar este obstáculo, porém, não significa a
necessidade de produção de materiais em versões ‘simplificadas’ e
‘acessíveis’ ou promover capacitações onde ‘desmistificar’ seja na prática

25 Atualmente, o mecanismo de desmatamento evitado apenas se aplica ao desmatamento
em florestas tropicais.

mais próximo do ‘doutrinar’, sem dar espaço para a crítica, o contraditório, o
debate franco e honesto de idéias e posições que é da essência da
democracia.

Segundo Larry Lohman, ativista, pesquisador e autor de vários livros e
artigos e uma das figuras mais proeminentes no debate crítico internacional
sobre mudanças climáticas, a despolitização do debate tem a ver com ‘a
forma na qual todos os problemas sociais e políticos que se derivam das
mudanças climáticas (que se pode privatizar e possuir a atmosfera, por
exemplo) terem sido eclipsados pelo jargão econômico neo-clássico’.

Um exemplo disto seriam os informes do IPCC, onde é possível
constatar que todo o marco de análise está conformado por elementos das
ciências naturais e da economia neoclássica. Inclusive quando tentam prever
quais seriam as repercussões de certos níveis de emissões no futuro, o IPCC
tende a basear-se – desproporcionalmente - em coisas como projeções de
população, especulações sobre o crescimento do PIB e variantes parecidas.

Assim, muitas das “opções” que o IPCC apresenta aos governos do mundo, e
que acabam fundamentando várias posições na negociação internacional,
estão baseadas em um discurso que se encontra seqüestrado e dominado
por economistas ortodoxos. Desde o ponto de vida intelectual e político este é
um problema muito grave’26.

É particularmente grave porque esta visão economicista e ortodoxa
tende a substituir a complexidade da análise política necessária sobre as
origens do problema do clima, dissociando os vetores e causas subjacentes
que promovem a industrialização, urbanização, o desmatamento e o uso
intensivo de combustíveis fósseis. A ausência desta perspectiva abre então
espaço para a hegemonia das soluções supostamente técnicas, pragmáticas,
que buscam soluções orientadas a ‘evitar o desmatamento’, a‘reduzir
emissões de gases de efeito estufa’, contabilizando os resultados em
modelos quantificáveis, dentro do formato exigido pelo mercado para que
sejam também mensuráveis, verificáveis, acreditáveis e assim também
passíveis de comercialização, e por quê não ?, de bons negócios e de lucro.

A redução da realidade a uma narrativa única através da compilação
de dados, invisibiliza os conflitos de interesse, os jogos de poder, as
ideologias e as contradições da realidade, assim como os sujeitos individuais
e coletivos, a violência estrutural e a injustiça. Aceitar que o debate sobre as
graves questões que ameaçam o conjunto da humanidade somente possa
ser tratado através da repetição do jargão dominado por uma elite de
expertos acaba naturalizando e agravando, na prática, a exclusão.

A capacidade de participação da sociedade civil, em especial dos
setores da população mais diretamente impactados pelas mudanças

26 Lohmann, Larry. (2008) La política del cambio climático. Entrevista para Re-Public,
06/11/2008. Em:
http://www.carbontradewatch.org/index.php?option=com_content&task=view&id=240&Itemid
=36

climáticas, está diretamente relacionada à democratização radical e à
politização do debate sobre as mudanças climáticas sob o marco da justiça
climática, não como mais um tema, mas como um horizonte capaz de
mobilizar e fazer convergir outras lutas e construir unidade na agenda dos
movimentos sociais. Um desafio que se coloca é compreender a dimensão
das agendas que estão colocadas e definir uma estratégia conjunta.

O dramatismo que ganhou a mudança climática não obriga o Fórum Social
Mundial a mudar suas prioridades, seus temas centrais ?

‘Nossa principal preocupação nesse momento é manter a agenda em
torno da luta contra o neoliberalismo e contra o imperialismo. Obviamente
que o tema da mudança climática, das agressões ao meio ambiente estão
diretamente relacionadas com o modelo de desenvolvimento neoliberal e
com as necessidades imperialistas. Certamente esse tema terá maior espaço
e preocupação de agora em diante, até porque suas conseqüências sociais e
ambientais estão mais evidentes. Coisa que não eram evidentes há três ou
quatro anos atrás. (...) Então, não é uma questão de prioridade, mas uma
questão de enfoque.’

João Pedro Stedile, MST/Via Campesina Internacional, entrevista
à Marpo Osava, IPS, Janeiro 2008)


Nenhum comentário:

Postar um comentário