terça-feira, 23 de outubro de 2012

Carta aberta à Excelentíssima Senhora Presidenta Dilma Rousseff


O novo Código Florestal, alterado por medida provisória recém-aprovada no Congresso Nacional e que ora aguarda sanção de V. Exa., consolida a perda expressiva de extensas áreas sensíveis até então protegidas pela legislação revogada. Isto representa um grave revés na lógica de conservação e recuperação ecossistêmica presente na Lei até então vigente.

O Parlamento brasileiro demonstrou estar distanciado da sociedade brasileira ao ceder aos interesses dos ruralistas. E, como já prevíamos, o Congresso reduziu ainda mais as Áreas de Preservação Permanente (APPs) que protegem os rios e nascentes. O texto aprovado pela Câmara e chancelado pelo Senado, se sancionado por V. Exa., permitirá diversos retrocessos.

Presidenta Dilma, V. Exa. tem agora a responsabilidade e a oportunidade de recuperar – ao menos em parte – o interesse público nacional pela proteção efetiva das florestas, a recuperação dos processos ecossistêmicos fundamentais e a função social da propriedade rural.

A ampliação das anistias e a redução da proteção e da recomposição de matas ciliares de rios e nascentes em benefício de grandes proprietários rurais infratores das normas jurídicas que vigoravam até então parece-nos completamente desprovida de razoabilidade, proporcionalidade, equidade e de fundamento no interesse público nacional.

É preciso que V.Exa. adote corajosamente a prerrogativa do veto presidencial, tanto para resgatar um mínimo de equilíbrio ambiental perdido na Lei, como também em lealdade ao compromisso eleitoral assumido expressamente por V. Exa., em 2010, no sentido de não aceitar ainda mais anistias e retrocessos na proteção ambiental. Do contrário, reinará um ambiente favorável a novos desmatamentos ilegais em todos os biomas brasileiros, motivados pelo sentimento generalizado de impunidade.

Nesse sentido, recomendamos veto aos seguintes dispositivos:
- Art. 4º, inciso IV – que limita proteção às nascentes e olhos d’água “perenes”, com o consequente retorno à vigência do artigo original da Lei 12651/12 que protege todas as nascentes e olhos d’água, inclusive os intermitentes.
- Art. 61-A, §4º - que reduz a obrigação de recompor APP ciliar em imóveis acima de 4 módulos fiscais, com o reestabelecimento da obrigação integral de recomposição da APP mínima de 30 metros, em regulamentação por decreto presidencial.
- Art. 61-A, § 5º - que restringe a recomposição de 15 metros de áreas de preservação de nascentes “perenes”, restabelecendo na regulamentação a obrigação de recomposição integral das APPs de nascentes, inclusive as intermitentes.
- Art. 61-A §13 – que estabelece os métodos de recomposição de APP, estabelecendo o detalhamento metodológico por regulamentação e eliminando a hipótese de recomposição integral com espécies frutíferas e exóticas.

Além dos vetos necessários, preocupam-nos os impactos que as medidas já sancionadas poderão ter no aumento dos desmatamentos, como já se observou, nos últimos três meses, na Amazônia e no Cerrado.

Na regulamentação há espaço para recuperar perdas importantes para os processos ecossistêmicos e para a produção rural sustentável. A sociedade deve ter a oportunidade de participar desse processo em tempo de evitar novos retrocessos.

Assim, entendemos que:
       a)      A regulamentação deve assegurar a total transparência e a ampliação do controle social sobre os Programas de Regularização Ambiental e respectivos sistemas de licenciamento, monitoramento e cadastramento ambiental rural nos Estados.
 b)      É crucial e urgente a implementação de uma política nacional de florestas robusta que ofereça, em prazo compatível com o proposto pela Lei (até cinco anos), as condições materiais, tecnológicas, humanas e financeiras objetivas para que as áreas de preservação permanente e reservas legais sejam conservadas e recompostas em escala apropriada no País.
c)       É preciso uma estratégia forte para aplicação, com tolerância zero, das sanções previstas no novo Código Florestal e na Lei de Crimes Ambientais contra os infratores que desmataram ou vierem a desmatar ilegalmente após a data de “anistia” consolidada na Lei (22 de julho de 2008). Senão, em poucos anos, por inércia e omissão, o governo será novamente tensionado a rever a data de corte para a consolidação de novos desmatamentos ilegais.
d)      O governo federal deve aprovar com a máxima urgência um programa de incentivos econômicos em escala apropriada para beneficiar os produtores rurais – principalmente agricultores familiares e  pequenos proprietários – que cumpriram a Lei e os que aderirem voluntariamente aos programas de regularização ambiental. Nesse sentido, merecem o mesmo esforço empenhado na aprovação do Código Florestal os projetos que tratam do Pagamento por Serviços Ambientais e da Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd+), em trâmite na Câmara dos Deputados.

Diante do exposto, requeremos a V. Exa. um exame cauteloso, técnico e responsável dos vetos acima propostos e uma resposta efetiva e clara do governo brasileiro ao conjunto dos desafios acima elencados e impostos pela nova Lei Florestal brasileira.

Fundação SOS Mata Atlântica

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